Fui à locadora, aquela que fica próxima ao Índio, o moço que corta cabelo. O Sampaio me garantiu que o Índio já cortou o cabelo de gente importante, do alto escalão do governo, mas isso não o deixou vaidoso.
Ele teve a honra, também, de cortar o cabelo da minha sogra; uma mulher simples e cheia de sabedoria.
Dona Zoé Tavares Sampaio passava uns dias comigo e insistiu em cortar o cabelo. Saí com ela de carro, em busca de um salão de beleza que pudesse atende-la. Uma saga. A coitadinha foi recusada em meia dúzia de salões. Se ela fosse afro descendente diria que era puro preconceito. O chato é que ela descobriu que eu não tinha nenhum prestígio na cidade. E o que ela queria era algo simples: apenas uma apara de cabelo, coisa de dez minutos, uma brecha entre um cliente e outro, questão de jogo de cintura.
Depois da última recusa, deu um estalo na minha cabeça e lembrei-me do Índio. Eu tinha certeza de que ele não iria recusa-la em sua barbearia. Recinto destinado apenas para homens.
Isso me fez lembrar o concurso público da cidade de Campos. Faltavam poucos minutos para começar a prova e eu precisava urgentemente ir ao banheiro. A fila do banheiro feminina era grande, senti que não daria tempo. Entrei no banheiro masculino e saí de lá muito satisfeita, enquanto a fila feminina continuava crescendo.
É isso aí! Nada de esperar muito. Mulher complica tudo... Vamos apelar para o Índio.
O estabelecimento era simples, cabelos de todas as raças e de todas as cores misturavam-se ao chão, formando uma cabeça diversificada. Uma mistura, sem separação, sem apartheid. Senti orgulho de estar ali e poder interpretar o DNA de cada cabelo.
Um Índio - entenda quem puder - mostrando civilidade. Fiquei com vontade de pegar a vassoura e ser ajudante daquele homem que trabalhava sem frescura e com objetividade.
Meu peito parecia peito de pombo. Estufava de contentamento e me fazia esquecer as recusas e os desejos de vingança! Não vingança propriamente, mas uma lição. Imaginei-me com um megafone na mão, saindo às ruas e proclamando frases do tipo: "Venham todos cortar o cabelo no Índio! Não precisa de hora marcada! Atenção, atenção! O Índio é a solução!"
Depois de ter realizado esse gesto várias vezes apenas na mente -, fiquei satisfeita. A mente é assim! A gente dá uma volta nela, pois era ela que me induzia a fazer essas coisas.
Onde eu estava mesmo? Eu estava na locadora... Fui até a locadora, aquela que fica perto do Índio, que agora todos já conhecem. Como quem não quer nada, namorei os últimos lançamentos em DVD. Depois, entrei na loja e fui apresentada a uma variedade de filmes, entre eles: Tróia, A Órfã, Quarta Dimensão... Resolvi levar Gandhi para casa. Foi uma ótima escolha. Vi um dos melhores filmes da minha vida. Um homem maravilhoso! Depois de Jesus, Gandhi! Despretensiosamente falando... Gandhi foi o Jesus Cristo da Índia.
Queria muito mesmo escrever algo sobre esse pequeno homem de grande alma. Mas o que posso dizer que já não tenham dito? Ele me ensinou a aplacar o desejo de vingança. Ele disse que os demônios estão dentro de nós e cumpre-nos domina-los.
Lembrei-me do megafone e das frases faladas aos quatro cantos da cidade. Como tudo aconteceu apenas no mundo das ideias, vi que Gandhi tinha razão. Eu podia mesmo dominar os demônios que habitavam em mim, substituindo o mal pelo bem; o que coincidia com a Palavra de Deus no livro de Romanos, capítulo doze, verso vinte e um: "Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem."
Dona Zoé gostou muito do corte de cabelo e prometeu voltar. Aos oitenta e dois anos, foi a primeira vez que sentara numa cadeira de barbeiro, lugar destinado apenas aos homens, e onde ela, na sua simplicidade e sabedoria, quebrava o protocolo.
E tudo isto aconteceu na cidade de Santa Maria Madalena, Rio de Janeiro.
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