Uma Chuteira e Cinco Travas

Uma Chuteira e Cinco Travas
Sampaio, meu marido, costuma dizer que Deus sempre coloca uma trava na minha vida. Ele quer dizer que quando estou alçando vôo, acabo com as asas quebradas.
Na concepção dele, as travas servem para diminuir o afã de dominar o mundo.
Quando o Sampaio resolveu viver comigo, encontrou-me com muita liberdade; eu não dava satisfações a ninguém, vivia sem preocupações e com as asas perfeitas.
Deus achou que eu estava muito livre, e antes que eu fizesse algumas besteiras, com excesso de liberdade, encaminhou-me o Sampaio, minha primeira.  Todo certinho, metódico, explicando tudo nos mínimos detalhes.
Eu, muito louca, amante da Filosofia, achava que o mundo era uma farsa e que os humanos estavam todos ferrados.
Nasceu Camila Sofia, minha segunda trava. A Filosofia foi dando lugar à praticidade. O pai achava que a menina precoce precisava de mais atenção por parte da mãe. Larguei o emprego de quinze anos para ser dona de casa.
Dois anos se passaram...  E quando eu já estava pronta para o mercado de trabalho, veio minha terceira trava: o Itarnizinho. O moleque mamou até os dois anos. Foi difícil, ele era grande e robusto e as minhas forças se esvaiam nas mamadas. A vergonha de botar o peito pra fora, já havia sumido há muito tempo, até que o matriculei na Creche de Triunfo, onde as professoras me ajudaram a desmamá-lo. O bezerrinho  continuou  sua fase oral no Cantinho dos Sonhos. Digo que a creche é a primeira instituição de psicologia que conheço onde os bebês deveriam curar seus complexos de Édipo e Electra. Porque depois de dois anos, como mamadeira ambulante, passei a dormir todas as tardes depois do almoço. Foi uma trégua.
Quando Camila Sofia completou doze anos e o irmão dez anos, pensei em dominar o mundo de novo... Mas Deus, só pode ter sido Ele, enviou-me mais duas travinhas: Carlos Alexandre e Caíque.
E aí queridos, com tantas travas, minha chuteira parece completa. Dá para jogar anos seguidos, quietinha, só cumprindo minha missão.
 Eu só espero,que após dominar o jogo, não me apareçam mais “travas para me travar”.  
Selma Nardacci