Levem-me o coração nos pulmões
Porque ainda há
Quem possa respirar -
Inspirar a vida
Aspirar aos dias...
Levem-me, que logo expiro
E nem respingo
De tão vazio.

Levem-me o coração
Nos rins, fígado, intestinos, pâncreas...
Onde quer que haja bem.
Levem-me o coração
Pois que logo, já sem ação,
jazerá também!
Levem-me,
Que logo já não presto
Senão aos vermes.
Depressa, levem-me!
Levem-me o coração que ainda pulsa,
Segurando a vida do que já se esvai.
Levem-me o coração que pulsa.
Que, se já não pulsa, já não serve mais!

E então façam-me
Coração nas córneas,
Para que vejam além do que vi,
Além do que vivi.
Façam-me coração
Nos ossos, meniscos, tendões...
Para que outros caminhem
Com seus próprios passos,
Desfacelando os laços
Que lhes tolhem ações.

Façam-me o coração sorrir.
Pois que já não bate!
Já não bate aqui!

Façam-me coração na pele
E entreguem-me
Onde o fogo ardeu.
Levem-me, sim, em pele,
Para quem sinta à flor
Mais do que fui capaz.
Levem-me,
Que o fogo que me arde
É só mesmo o das tardes
Em que não fui só paz.

Levem-me
Não por bondade
Ou mórbido prazer.
Levem-me porque é preciso
Que a vida prossiga
Com o que que há de vida,
O que há de viver!

Esclarecimento (sujeito a alterações e/ou complementações):
"Diferentemente do que ocorre no estado de coma, a morte encefálica (parada definitiva do encéfalo -cérebro e tronco cerebral) é irreversível, provocando, em poucos minutos a falência de todos os órgãos. Em caso de tratar-se de um doador, seus rins, pulmões, fígado, coração, pâncreas, deverão ser retirados antes que o coração silencie, ou não poderão ser transplantados (- a vida em que esse coração ainda pulsa é vegetativa, mantida por aparelhos). Já outras partes como córneas, ossos e pele poderão ser retirados posteriormente à parada cardíaca - independem da morte encefálica."