" Pois nossos pais a puseram em nossas mãos, esta vida, para que a vivamos até o fim"

" Pois nossos pais a puseram em nossas mãos, esta vida, para que a vivamos até o fim"

E, depois ( sentira-o ainda naquela manhã), havia o terror; a acabrunhante incapacidade, pois nossos pais a puseram em nossas mãos, esta vida, para que a vivamos até o fim, para que andemos serenamente com ela; havia nas profundezas de seu coração um terrível medo. E quantas vezes, ultimamente, se Richard não estivesse ali a ler o Times, de modo que ela se aconchegava como uma passáro na sua presença, e gradualmente ia revivendo, exaltando-se num incomensurável júbilo, juntando uma coisa a outra, quantas vezes já não deveria ter perecido? Conseguira escapar. Mas aquele jovem se havia suicidado.”


“ De certo modo, era aquilo um desastre dela própria, uma catástrofe sua. Era-lhe um castigo ver afundar e desaparecer aqui um homem, ali uma mulher, naquela profunda escuridão, enquanto ela era forçada a permanecer ali, com seu vestido de gala.”


“E, coisa estranha, incrível: nunca se sentira tão feliz. Nada poderia agora ser bastante lento; nada durar demais.”

“ Ela uma vez lançara um xelim na Serpentina, nada mais. Mas ele jogara a si mesmo. Os outros continuavam a viver ( devia voltar; os salões ainda estavam cheios; ainda chegava gente). Eles (todo o dia pensara em Bourton, em Peter, em Sally), eles envelheceriam.


Por mais louca que fosse a ideia, aquele céu familiar, aquele céu de Westminster continha alguma coisa de si mesma! Apartou as cortinas; olhou. Oh, que surpreendente! Na sala fronteira; a velha senhora olhou para ela! Ia deitar-se. E o céu...Devia ser um céu solene, tinha pensado, um céu escuro, a esconder a sua bela face. (...) A senhora da casa em frente ia deitar-se. Era fascinante olhá-la, aquela velha senhora, movendo-se, atravessando o quarto, aproximando-se da janela. Poderia ela vê-la? Era fascinante com toda aquela gente a rir e a falar no salão,  contemplar aquela velha mulher que se preparava tranquilamente para ir dormir sozinha. Fechou a cortina. O relógio começou a bater. O jovem se havia suicidado; mas não podia lamentá-lo; com o relógio a bater a hora, uma, duas, três, não podia lamentá-lo, com tudo aquilo indo para diante. Pronto! A velha senhora apagara a luz! Toda a casa estava agora às escuras, com tudo indo para diante, e outra vez lhe ocorreram as palavras: “ Não temas mais o calor do sol...” Devia ir para junto deles.

                                    Virginia Woolf - Mrs. Dalloway

 

Eloisa Alves
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