"Nossa enfeitiçadora confusão, nossa miscelânea de impulsos, nosso perpétuo milagre"

 "Nossa enfeitiçadora confusão, nossa miscelânea de impulsos, nosso perpétuo milagre"

" (...) As leis não passam de meras convenções, absolutamente incapazes de dar conta da vasta variedade e desordem dos impulsos humanos; hábitos e costumes constituem uma conveniência inventada para servir de apoio a naturezas tímidas que não ousam dar livre curso a suas almas. Mas nós, que temos uma vida própria e a consideramos infinitamente como a mais cara de nossas posses, suspeitamos sobretudo de qualquer tipo de afetação. Assim que começamos a discursar, a agir com afetação, a ditar leis, nós perecemos. Vivemos, então, para outros, não para nós mesmos. Devemos respeitar aqueles que se sacrificam ao serviço público, enchê-los de honrarias e ter pena deles por permitirem, como devem, o inevitável compromisso; mas, para nós mesmos, deixemos ir embora a fama, as honrarias e todos os cargos que nos deixam em obrigação para com os outros. Deixemo-nos fervilhar sobre nosso incalculável caldeirão, nossa enfeitiçadora confusão, nossa miscelânea de impulsos, nosso perpétuo milagre – pois a alma vomita maravilhas a cada segundo. Movimento e mudança são a essência de nosso ser; a rigidez é morte; o conformismo é morte: vamos dizer o que nos vem à cabeça, vamos nos repetir, nos contradizer, deitar fora o mais insensato dos absurdos, e seguir as mais fantásticas fantasias sem nos importarmos com o que o mundo faz ou pensa ou diz.


Virginia Woolf  - O Sol e o Peixe
Editora Autêntica - Seleção e Tradução: Tomaz Tadeu


Eloisa Alves
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