A vela está queimando...

A vela está queimando...
O meu futuro junto dela vai se apagando...
O meu sorrir aos poucos murchando...
A minha coragem cessando...
Minhas lágrimas já não enfeitam mais meu rosto...
No meu coração não há revoltas...
Há um suave desalento...
Uns pedaços de um sonho fracassado...
Uma vastidão de alegrias...
Uma solidão tão amarga...
Da qual ainda não havia provado...
Essa tristeza real, essa vontade aleijada...
Essa falta de encanto...
Esse pesadelo que me consome...
Essa vaga idéia de salvação...
Um remoer de venturas não vividas...
Um lastimável estado de morbidez...
Essa falta de cuidados...
Essa falta de pessoas...
Essa ausência de amigos...
Essa constante repetição de tudo...
A vela está queimando...
Meu peito tanto ferve quanto arde...
Minha natureza de mulher não vingou...
Minha natureza de criança não vingou...
Meu isolamento decepou meu coração...
Quase não há vida em mim...
Não sou mulher tão pouco criança...
Sou uma vela queimando...
Sou um monstro...
Sinto saber que sou tão inimiga quanto eles...
Tão hipócrita quanto eles...
Tão venenosa quanto as piores cobras...
O sumo de minhas maldades não salva...
Sou a vela que eles esqueceram de apagar...
Sou a vela que envelhece pelos cantos...
Sou o clarão que os ratos odeiam...
Eu sou aquela do quadro que pintaram...
Eu sou aquela do livro que escreveram...
Eu sou aquela dos sonhos que sonharam...
Eu sou aquela dos contos de fadas...
Mas eu nem sequer existo...
Eu nem sequer fui beleza...
Eu nem sequer inspirei...
Eu nem sequer fui amada...
Fugiu-me a fera...
Deixou-me a espera...
Nem sequer os príncipes souberam de mim...
Eu nunca nasci...
Meus pulmões nunca receberam o ar...
Quem explica esse texto?
Verão que não tenho conteúdo...
Que nada do que digo é absurdo...
Que não sou história...
Lancei-me aqui, mas estou de passagem...
Tenho argumentos e não provas...
Tenho saudade do meu mundo...
Tenho saudade dessa que eu poderei ser...
Muito medo do que eu me tornei...
As velas que queimam noutros planetas...
Tem as mesmas características que a minha...
Por que viver tende ser tão vago?
Por que nossos sentimentos podem nos desmoronar?
Por que meu príncipe não vê que estou queimando?
Que vamos morrer e teremos então perdido nossas chances...
Que vamos morrer e podemos nos perder...
Que vamos morrer e nossos risos ficarão para uma outra era...
Se voltarmos a nos reencontrar...
Se houver continuação...
Se não houver...
Se nos enganarmos e outra tomar meu lugar e outro o seu?
Não vê que estou queimando?
Não sabe que só a tua respiração pode me socorrer?
Que só o teu ar pode me salvar?
Não sabe que são seus olhos que vão me restituir?
Que são as suas palavras que eu espero ouvir?
Que é o teu sorriso que eu desejo ver?
Que só assim eu nasço...
Que só assim o ar poderá penetrar meus pulmões...
São os seus olhos que farão história em minha vida...
Que só assim esse planeta será digno de meu afeto...
Que só assim eu me sentirei em casa...
Não vê como é triste ter de chorar sozinha?
Ter de sorrir sozinha?
Sem você minhas alegrias são inventadas...
Minha inutilidade me deserda...
Meus suspiros se equivocam...
Minha esperança é realmente relutante...
E eu vou abraçá-lo outra vez...
Outras vezes...
Infinitas vezes...
Eu não sei por que eu te amo desse jeito...
Eu não sei o que você fez pra tanto amor surgir em mim...
Eu não sei por que eu me encontro nesse estado...
Eu não sei como acabar com isso...
Eu não sei como vencer esse amor...
Eu sinto que você até virá...
Que eu até abraçarei você...
E você irá me abraçar tanto como eu te abraço...
Mas eu não sei se você vai entender...
Não sei se pode me entender...
Se as outras vezes serão tão reais como as primeiras...
Não sei se o infinito será favorável ao meu amor...
Eu não sei se eu vou poder viver com outros planos...
Se vou poder viver sem o infinito ao teu lado...
Eu não sei se você me aceita...
Eu não sei se isso é tão passageiro quanto eu.
Quanto todos nós.

21/12/04