Coleção do Que Eu Não Tenho

Que eu não tenha o intento de uma desistência
Da tal tentativa de mudar o mundo

Eu não tenho as chaves de todas as portas
Nem mesmo os mapas de todas as rotas
Não tenho resposta às questões pedantes
Nem todo o tempo que esperei antes

Já não tenho a surpresa de todos os fatos
E nem os momentos de todas as fotos
Não tenho os mistérios de certos segredos
Nem mais tantos medos dentre tantos medos
Não tenho o regresso de onde não volto
Nem mesmo o ingresso da cena que eu era
Nem mesma quimera da vida que escolto

Não tenho mais...
Sonhos quase reais, risos quase ideais
Palavras ditas, não tenho
Nem venho voltar às palavras que foram
Não tenho o que eu fui, se era eu ou seria
Aliás, mesmo agora, nem mais tenho a hora
Gênia e primeira que adentra a poesia

Eu não tenho as chaves de todas as portas

E é esse não ter que limita e recria
Em mim toda luta que muito me importa,
Em mim toda luta que eu nunca teria
Sem nãos, sem não-teres, sem cara na porta
Que incara o "e se fosse, o que eu faria?"

Eu não tenho por que não tentar...
E o que ainda tenho sei que não teria
Sem que tivesse tido tudo o que me desafia

Nascer e não ser no ser que eu sou
Faria de mim desumana a morrer
Enfim tudo o que me restou
É aquilo que falta, e é àquilo a que eu vou.
É àquilo a que vim, e o que faz de mim
Vir e ver... Sim, viver.
Marina Seneda
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