Ocorreu-me que as paredes mais do que ouvidos elas possuem bocas e podem tanto armazenar informações assim como transmiti-las. No salão do barbeiro as paredes falam “apare apenas dos lados” ou “corte um pouco em cima” e muitas outras frases. Assim como muitas vezes falam apenas o silêncio.
Horas e horas de silêncio. O seu silêncio!
Em uma casa, em um lar, as paredes falam do cotidiano, das brigas, das discussões, falam de um choro calado, baixinho em uma noite que ninguém escutou que o outro sofria só as paredes. Elas falam de todo um poema!
Foi o cotidiano que assim como o poeta sentiu, sentou e escreveu a poesia da vida. Independente da vontade humana, independente do poeta, o poema já existia foi recitado e improvisado durante semanas, meses, anos por todos que naquele meio conviveram e a poesia foi sabiamente armazenada pela natureza dentro das paredes que lhe foram testemunha.
As paredes têm ouvidos. Mais que isso elas podem guardar os fragmentos do passado. São testemunhas do quase silencioso gemido. Esse que por sua vez pode ser fruto tanto do amor como do pecado. Para as paredes ambos são indiferentes e funcionam em uma freqüência impar que ninguém teria coragem de pronunciar a não ser na intimidade a não ser entre quatro paredes.
As paredes podem escutar!
Porém o fenômeno mais curioso e de que mais me admiro é de que elas possam falar. Como falam essas paredes! Falam pelos cotovelos!
Ninguém pode escutá-las, pois elas armazenam as vozes do passado. Elas as paredes são curiosas, são como a velha fita cassete e como por um efeito magnético gravam tudo que se é pronunciado e dito, porém reproduzem essas informações de maneira desordenada e confusa. É preciso saber interpretá-las.
Quem saberia, por sua vez, interpretar o que elas dizem? Não o conheço.
No entanto às vezes por causa de algum fenômeno ainda não controlado pelo homem, que poderia ser por mero capricho da natureza, as paredes se põem a falar e quem escuta atribui logo essas vozes a uma alma penada ou a um fenômeno para-psíquico. Não é nada sobrenatural! Ocorre que as paredes são velhos gravadores elas escutam e falam. São as vozes do passado que quando não se fixam na memória das pessoas através de um poema, por exemplo, ainda assim não foram ditas essas palavras, em vão. Desperdiçadas tão pouco.
As paredes se encarregam de gravá-las e de transmiti-las as próximas gerações. Tanto a poesia quanto os alicerces referentes à alma humana estão bem guardados entre as paredes.
É uma pena que a sabedoria, no entanto não possa ser transmitida e essa inevitavelmente perde-se junto com a pessoa. No entanto não acontece o mesmo ao poema?
Não conheço poeta que, mais que sentimento, tenha transmitido o saber e não conheço leitor que tenha assimilado mais do que sentimentos de um sábio poeta. Não digo que não exista. Eu digo não conheço!
Para mim as paredes estão para os poetas assim como a sabedoria está para o sentimento ambos armazenam as palavras, os movimentos e os sons produzidos pela vida e os reproduzem de uma maneira própria quase imperceptível quase incompreensível. Eu digo quase!
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