O telefone toca, nem é preciso atendê-lo eu tenho certeza que é você. A essa hora da manhã só pode ser você. Não é preciso ser vidente para saber. Procuro uma camisa para vestir. Não é preciso abrir a gaveta eu sei que está vazia. Todas as camisas estão no cesto bem lavadas e bem amassadas.

Eu deveria passá-las. Gostaria ao menos de poder dizer orgulhoso:

- Eu passo uma camisa por dia.

Mas dizer para quem? A verdade é que quase sempre saio de casa amassado. Ainda penso, “Deixa que o tempo passa.”

O tempo passa!

Lembro da primeira vez que estive apaixonado por você. Talvez nunca tenha deixado de estar.

Aprendi que é fácil fingir que não estou apaixonado que não sinto nada sou uma pedra.

- Você nunca vai mentir pra mim?
- Nunca vou mentir pra você.

Mas acho que esta já é a grande mentira. Este sou eu um homem de pedra, que acaba mentindo, com sua camisa amassada meio largada.

O tempo passa!

À tarde o telefone tocou! Eu não estava.

- Algum recado?
- Uma garota ligou não deixou recado.

Não precisa deixar recado, eu sei quem ligou. Eu conheço a pessoa que me telefona pela tarde. Eu a conheço bem, Ana Paula.

Em sua casa o telefone toca.
Ana Paula não quer atender. Não gosta que lhe incomodem. Odeia notícias, perguntas, investigações, anúncios, enganos, telemarketing e a maioria das frases e preocupações ditas a distância. Assuntos de telefone.

Ana Paula irrita-se, mas atende a chamada.

- Alô!
- Sou eu.
- Eu te liguei – você me diz.
- É mesmo? – finjo surpresa
- Você viu no bina!

Só que eu não tenho bina eu não preciso.

Pela décima vez, eu arredondei para dez, deixo-me apaixonar por você. Faz tempo que você, inconseqüentemente, não sorri e me beija. Quando isso acontece aceito o beijo, mas finjo não dar importância. Ajo como se fosse algo natural, inevitável. “É só um beijo”.

Ora, somos amigos é tão normal. Um carinho também é bom. Sou uma pedra.

O telefone! Que bom é você.

No dia seguinte na sua casa o telefone, você atende, sou eu.

Assim o tempo passa.

Mas minhas roupas teimam em permanecer amassadas. A gaveta das camisas espera pelos acontecimentos. Espera por ser preenchida, por ser útil e por exercer sua verdadeira vocação. Armazenar, guardar, cuidar, amar e ser amada. Ultimamente tenho me identificado muito com ela. Não reclama, não se revolta, não se desespera. Pelo contrário aguarda que o tempo passe.

Eu tenho essa certeza também.

Deixo as camisas para lá.

Um dia o tempo há de passar.

r. von honer
© Todos os direitos reservados