Tragicomédia do amar

Ao longo desses dias,
desde o início dos tempos,
o amor andou por aí,
sufocado por vaidade.
Subiu as serras,
cruzou os rios,
cometeu desvarios pela beleza.
A beleza andou por aí,
a passos largos, na certeza do flerte
e quis ela comer do fruto verde,
sem o esplendor da madureza.
A beleza passou mal
e provou o veneno letal da paixão.
A paixão andou por aí,
arrasando povoados,
destronando coroados,
abalando a fortuna dos nobres.
Ricos e pobres se uniram
na travessia febril dos prazeres.
Os limites e o impossível
foram prorrogados por sua culpa,
por culpa da desgarrada sedução.
A sedução andou, andou...
E finalmente tramou,
armou a cilada para o coração petrificado.
Rachou a geleira,
propagou sutil tremedeira.
Fez brotar o calor
e a luz inundou os ventrículos,
jorrou da aorta para o cérebro,
tornando-o inquilino da razão.
A razão andou...
Caiu.
E como bebê de colo chorou,
sem entender a vertigem momentânea,
depressa rogou à prudente conterrânea:

- Sabedoria, o que fazer agora?

A sabedoria pensou, pensou.
Por instantes meditou,
prescreveu a medicação:

- Tome dois comprimidos de indiferença
a cada doze horas.

Deu-lhe também, extensa lista de ervas
para fortalecer as reservas de anticorpos.
A razão, tão ansiosa ficou
que tomou em dobro todo o remédio.

- Laudo do médico-legista -

Óbito por overdose de tédio.

São Paulo