Há quem ande sem rima
E aperte o passo descuidado
Que esprema suas nádegas
Que contorça os tornozelos
Em direção ao ponto de partida errado.
Não sei se há quem ande direito,
Com passo de musa
Na rima de quem tudo pode
Não satisfazendo quem tanto pede.
Um dia, quando eu puder, educarei meus pés.
Saciarei quem quiser, quem dispuser de um tempo.
Quem souber andar como eu andei.
Quem tiver os passos que eu de mim desfiz.
Quem ousar na imprecisão de um tropeço meu
Amar meus pés e agasalha-lo,
Serei grata. Precisamente grata.
Há também quem ande com os pés na cabeça
E a cabeça mirando no homem mais bonito.
E a cabeça em galanteios a si mesma
Como um disfarce
Para que ele não note esse ato de uno interesse,
E ao mesmo tempo
Não perceba a admiração excedente.
Nisso, os pés bem cuidados esperando mesmo,
Ser a estrela no meu lugar.
A ambição dos pés é desejar ser mais bonito que,
A mais bela puta do cabaré.
O desalento da cabeça não é por descobrir-se no lugar errado
E sim por ter se encontrado na estrada mais sem graça
Com os passos certos.
É por isso que eu me mantenho viva.
E a ninguém é permitido me sucumbir a vida.
Porque meus pés preferem penar nesse chão
Ensangüentado devido aos crimes que eu mesma
Lavei minhas mãos, fechei meus olhos, tapei meus ouvidos,
Mordi minha língua.
Aos crimes que meu próprio coração comete
Dia após dia
Sujando o meu corpo pálido como se possuísse em si o reflexo da neve mais saborosa,
Em sangue de pecado que meus pensamentos se atrevem.
Porque os meus olhos se fecham quando em Você eu penso.
E pressiono meus ouvidos quando alguém em outras palavras diz que...
Esse meu gostar tornar-se-á... Amargo, tão mais quão o mais verde cáqui.
E açoito minha língua com meus dentes para que um dia diante de você
Eu me contenha
E deixe meus pés passarem
Através do inadiável.
E deixe que meus pés se afastem de você
Sem que eu grite, sem que eu chore,
Sem que eu morra desse inevitável desespero.
E deixe que meus pés pisem nas vozes de esperança que
Hão de vir. Sufocando-as, escurecendo meu sorriso,
Porque sem esperança não há pés que suportem o peso desse
Insatisfeito corpo logo não mais que um cadáver.
Na sua plena e diária insuficiência de ser, não mais que,
Um par de pés cegos, surdos, mudos e “Melhores que nós”.
Não mais que um cérebro sem dúvidas do seu Bom engajar
De pernas, numa rima perfeita, num ritmo espetacular que não cria,
Não acrescenta, e não usufrui nada.

20/11/04, no Trem