Solilóquio da alma penada

Nascer, entender aos poucos
que nem bem chegados a estação,
já estendemos a mão para a despedida.
Que vento é esse
a varrer de nós as certezas,
as belezas sonhadas
para o amanhã
no decorrer da caminhada
de vigorosos açoites?
Noites, noites...
Quão temo as noites
de tintura magnificamente escura...
Se o amanhã não vier
meu caminhar será estreito
num leito paralelo ao mundo.
Profundo chão se abrirá
e me usurpará a glória do viver.
Hei de descer os tais palmos
dos solos calmos para inspecionar,
medir os tais centímetros para bem deitar
e só depois autorizar o replantio.
Agora como semente, sinto frio,
e nem o assobio espanta a solidão.
Retorno então à órbita lúdica
procurando o abraço e o seio da terra,
choro como que erra pela primeira vez
e pela primeira vez vive entre lendas, teorias.
Não durmo, nem acordo,
não concordo, não concordo com a transparência,
indecência, má educação dos presentes.
Se o olhar não me alcança,
se minha dança não causa espanto,
um dia me irrito e levanto donde deitei.
Hei de correr e bater em cada coração que me amou,
reclamou a falta que o tempo conformou
e dizer que ainda vivo em segundo plano,
entre a suposição, a suspeita e o engano.
Mais que o engano deste mundo de paredes,
de verdade divorciada em litígio, digo,
esconderijo não existe para o que não vedes,
saibas, que estais nú na feira do sobrenatural
e que a tal lebre que vendes pelo preço do gato,
de fato, também te espia daqui.
Púdica é a crença do atalho
e falho, o costume do roubo no baralho.

São Paulo