Tango insosso para dias de chuva

Trago nas mãos um punhado cinzento de nuvens
e outras tantas coisas de dias nublados.
Pelo céu da boca, o azul que escapa pelas frestas
é discurso opaco, esfumaçado e cosmopolita;
apenas alegria fugaz.

Logo, tudo em morno estado de ânimo,
volta a ser estendido nos varais da rotina,
recolhido e levado ao cesto das lavadeiras.
Logo, tudo será passado a ferro
para desamarrotar cuidadosamente o passado.

O mal-passado bife do almoço é o de sempre,
sempre mal-passada a história segue,
impregnada de constante vertigem,
ventania que não cessa, mesmo que se tenha pressa.
É preciso ter calma diante de um tempo veloz
trazendo o revólver da própria voz em punho.

Guardado, um retrato ensolarado
é testemunho venturoso nas gavetas do criado-mudo,
na vanguarda do papel, sorrisos cicatrizados,
levemente desbotados se despedem das cores de outrora.
Embora saibam de sua finitude, vivem o carpe-diem
na magnitude e declínio que os aguardam.

No mote retinto e monocromático,
dependurado vapor estático embota-nos a felicidade do dia,
apatia gratuita em gotículas de garoa desprendidas do céu
avançam como véu por sobre as cabeças desprotegidas.
Que os guarda-chuvas nos perdoem o mau-humor,
mas às vezes, deixar-se molhar é preciso.

São Paulo