Carta a Sylvia Plath

 

Querida Sylvia,
Quando ainda passeavas
Por aqui, o mundo,
Certamente o mesmo,
Banal, louco e brutal,
Pareceu-te um tanto mais cruel.
Pesada era a carga
Que recebias
Sobre ombros tão frágeis;
Sentimentos à flor da pele.

Enquanto a maioria
Das pessoas contenta-se
Com o profano, com o cotidiano,
As lentes com que vestias o mundo
Captavam incandescentes, vozes,
As cores desta tecedura
Que jaz mais abaixo,
Mais embaixo de nossa rasa
E embaçada visão.

Alma inquieta e passageira,
Tua visita nos foi breve.
Não gostastes do que vistes,
Sofrimento é o que sentistes,
Mas fizestes questão
De relatar tuas desventuras
A um mundo apático
Às tuas alegrias e tristezas.

Bondade tua, irmã generosa,
Em abrir esta janela
E expor tua alma
Nua, crua e dessangrada.
Ressonam ainda em meu peito
Tuas palavras indóceis,
Teus sonetos de morte.

De um certo modo,
Que não sei como provar,
Teu fim pressagia começos.
Traz em si a mesma esperança,
Que perdestes descuidada
Num canto escuro da tua cozinha.

 

Uriel da Mata
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