Eu vi um periquito morto, a cabeça esmagada no asfalto...

Dava desgosto o finado: o miolo esparramado, sem dolo, cadáver alado estampado no chão; triste imagem. Quem sabe se era de estimação ou selvagem? Quem sabe ainda existe em outra dimensão? em viagem? transfiguração?

Eu vi um periquito morto, sem nome, sem canto...

Era de dar pena, tanta pena, tão pouca voz. Era rouca? Era veloz? Era pequena ou monumental? Tanto faz: jaz o resto mortal, sem registro do cantor natural, falando a nós num silêncio incômodo, imenso, da constância de tudo o que esvai afinal.

Eu vi um periquito morto, borrando o passeio, sem rosto, meio decomposto...

Quem passou também ouviu um pio de lamento ecoando no pranto do seu atropelamento. Canto e silêncio, som e cimento, ave e asfalto, grave, agudo, baixo, alto, médio, estéreo, tédio etéreo, sem remédio, funéreo. Quem passou também cantou a saudade e o fim, e a cidade se juntou a mim para honrar o defunto; todos se olhando sem assunto; sem saber quando, mas morrendo junto; sem futuro e sem fruto; passando...

Eu vi um periquito morto, ave ingrata; que um tanto que morre, outro tanto me mata...
Psicopata!