Quando chegava o inverno no sertão,
A vida se transformava de repente,
O caboclo ria por nada, de contente,
E começava a fazer a plantação:
Feijão, milho, arroz e algodão,
Gergelim, jerimum, maxixe e fava
No roçado que pronto já estava,
Melancia não faltava nessa roça
Que tinha no seu aceiro uma palhoça
Para o seu dono da chuva se abrigar.
 
Com os grãos do feijão e do arroz
Preparava-se uma comida muito boa
Que o caboclo comia que ria à-toa,
Essa comida era o baião-de-dois
Com o peixe pescado, ora, pois,
Na enchente do riacho, e que vinha
Dos açudes e rios era o que mais tinha
Ou, então, comia o feijão com pão
Que era feito do milho seco em grão
E toicinho machucado muito bem.
 
Do milho também se fazia o angu
Que era servido com o leite de gado,
Caldo de feijão, rapadura, bom danado!
Desse prato comia eu e, talvez, tu,
Para o pobre era gostoso pra chuchu!
De manhã pão com leite e rapadura
Ou farinha de milho, com fartura,
Com açúcar e leite era uma beleza!
Pois assim se alimentava a pobreza
Que não vivia na rua da amargura!
 
Essa rua da amargura que eu digo
Está(va) lá nos viadutos de São Paulo
Cheios de nordestinos sem regalo,
Sem emprego, descalço e sem abrigo.
Para o bravo sertanejo é/era um castigo
Não poder retornar para o Nordeste,
Na dureza da má sorte no sudeste
Ele sonha(va) com o seu belo roçado
Na espera de um inverno abençoado
E tornar a ser um “cabra da peste”!
 
Este era o meu sertão de antigamente,
Porque hoje o tempo está mudado:
O jumento pela moto foi trocado;
Do algodão já não tem sua semente,
Porque a praga é inimiga permanente,
Não se planta, como antes, à vontade,
Os rebanhos passam por necessidade
Apesar de água e eletricidade instaladas,
Pois caboclo só quer vazante irrigada
E se não pode, ele vai para as cidades.
 
Autor: José Rosendo

Nazarezinho, 07 de janeiro de 2007