Procura-se mente livre

Escrever não é fácil. Aliás, meu grande sonho nem é fazer um romance romântico – não é pleonasmo! -, mas apenas contar um conto sem aumentar um ponto – nem só um pontinho… – Sabe como é? A realidade? Ou então quem sabe devanear numa epopéia maluca, cheia de monstros, duendes, magos, essas coisas, estilo Senhor dos Anéis e Harry Potter ou As Crônicas de Nárnia. Já pensei em algo de fundo político talvez, de revolta mesmo que é para causar mais caor. Impressionar e fazer protesto. Mas é difícil esse tipo de matéria fazer sucesso, por que geralmente a memória dos leitores é muito curta para essas informações. Mas e daí? Pena que o negócio de hoje é sensacionalismo.
Meu grande lance também nem é fazer música pop, poucas coisas salvam, na minha opinião. Aliás grande parte das músicas que eu gosto nem tocam mais.
Ou quase. Minha mãe fala que eu vim de outro planeta, outros tempos. E já ouvi isso várias vezes e não só dela. Talvez minha bisavó fofa de 100 aninhos me compreenda mais. Ela adora Chico, sua predileta é A Banda, linda essa música! Simples como a vida deveria ser!
Não que Chico é antiquado ou ultrapassado, para mim na verdade ele é consagrado na música popular brasileira, assim como tantos outros: Tom, João Gilberto, etc etc etc… Bem, 50 anos de bossa nova, e eu estou simplesmente exalando o “carioquês” da orla! E olha que eu nunca fui para o Rio de “Xanero”! Em pensar que tem gente que nem sonha o que é a Bossa Nova, me dá até urticária. Não saber como iniciou a nossa identidade musical e cultural… e depois logo em seguida veio o colorido e desprendido tropicalismo. Aí ai… Enfim, até ousadia da minha parte me julgar capaz de comentar sobre tais figuras e sobre suas almas de artistas, ainda mais eu uma reles mortal…
Mas o otimismo está lá no fundo, e tenho grandes esperanças de que a “modinha” está quase para ser coisa do passado. – Ufa! – só resta saber quanto tempo mais vai demorar para que a autenticidade se fazer presente de vez. Gostar porque você gosta, por ser essa ou aquela a sua opinião, ser um ser verídico, isso hoje em dia também é um achado. Estou cansada de mentes aprisionadas! “Procura-se uma mente livre, pago qualquer preço”. Ou: “Ajude a libertar uma mente, pago recompensa!”
Certa vez, por um impulso bom, que para variar me custou uma tremenda bronca da minha mãe. Voltando da faculdade – por sinal, foi um porre e o dia um pé no saco -, me sentei sozinha num bar que adoro no centro da cidade. Fica na Pça Rooselvet, isso mesmo atrás do famoso castelinho Kilt da Rua Augusta! O boteco que tem uma cara só dele, é AUTÊNTICO! Oh lugarzinho aconchegante… toca Billie Holiday, Elvis, tudo o que eu gosto. Fiquei na mesa do lado de fora e estava uma gostosa noite de terça-feira. Pedi uma Umburana, – R$2,50, cachaça da boa feita da madeira Amburana ou Cerejeira que ocorre desde o estado do Ceará até o norte da Argentina, sendo muito difundida nas caatingas nordestinas. Faz muito bem para a digestão de comidas fortes. – Então, acendi um cigarro e ali fiquei. Uma moça com um ar simpático também estava na mesa ao lado, também sozinha . Parecia muito culta, e eu continuei ali a observar tudo ao meu redor, intercalando os tragos de cachaça e cigarro mentolado.
Quando você está só é uma sensação muito boa, por que não está presa a nada, é o momento que a sua mente, deve ou deveria se abrir. Falar com as mesmas pessoas, fazer sempre as mesmas coisas, saber dos mesmos assuntos torna qualquer ser humano sem graça demais, limitado demais para tudo… Numa conversa pelo MSN, praticamente uma terapia em grupo on-line, um grande amigo soltou uma frase muito boa de Albert Ainstein: ‘Não da para ter respostas diferentes fazendo sempre as mesmas coisas’.
Já no segundo cigarro pedi uma Bohemia, minha predileta! Enquanto muitas pessoas vão passando: pessoas cultas que fazem teatro por ali e discutem filosofia nos bares, pessoas doentes, pessoas com câncer, vendedores de bugigangas, prostitutas, travestis, gente pedindo cigarro, gente pedindo dinheiro, gente pedindo dignidade. Talvez isso incomode algumas pessoas, e no fundo incomoda mesmo. Você vê um mundo que na sua casa, sentado no seu sofá tosco e em frente àquele brilho alienador da televisão, você não pode ver.
Passou um cara, barbudo, uma boina branca e cabelos no rosto. Não era do tipo que te assusta, não a mim. Despertou apenas curiosidade. O cara não fazia mal a uma mosca e distribuía Flyers com um amigo. Perguntei sobre o que era: um deles anunciava o encontro de Tatuagens que acontecerá em São Paulo nesse mês de abril – grande evento – o outro panfleto anunciava um livro sobre os bastidores de Hollywood – interessante – e o outro falava sobre o curso de teatro da FAAP – mais interessante ainda.
Ele olhou o copo de cachaça já vazio e disse:
– Paga uma para mim?
Nem pensei duas vezes e respondi:
– Só se você me fizer companhia na mesa.
Seus olhos não acreditavam, nem ouvidos, fez questão de confirmar se era sério antes de sentar à mesa, eu percebi. Seu outro amigo tinha a cara de cachaceiro convicto, banguelo e tudo. Sentou-se a mesa também e lá veio outra Bohemia. Começamos o papo. Os garçons olhavam estranhos: “será que ela é louca?” Bem, pouco me importa. A conversa da noite rendeu de Nara Leão, Elza Soares a Bossa Nova, do Samba de raiz, João Gilberto a Zeca Pagodinho, Magic Blues, Billie Holiday a Janis Joplin e Elvis, finalmente achei duas figuras que gostam de cachaça, papo e Chico Buarque. E o melhor: sem pretensão nenhuma. O quanto o ser humano é besta e burro por julgar pela aparência e não pelo conteúdo…
Paguei 2 cervejas, R$ 8,00, para encontrar uma mente aberta. Aliás, duas. Preço baixo pela hipocrisia, pela modinha, pelo pré-conceito e moralismo (falso-moralismo) que andam por aí a fora. Todo mundo tem algo para aprender e ensinar, sempre! “Feliz daquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina.” Cora Coralina …

Estive no mesmo boteco essa semana com amigas e estava me lembrando dessa crônica que escrevi e não sabia onde estava. Que feliz que encontrei perdida em um e-mail antigo, postando agora em atraso. O ano era 2006 eu acho.
L.Lucatto
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