Cidnelson e Cidcreuza

Conservo dois piolhos em minha cabeça, batizados de Cidnelson e Cidcreuza. (Não fiquem espantados com isso! Parem de preconceito...) Nessa onda ecológica não se pode sair por aí exterminando tudo quanto é bicho. Existe um equilíbrio a ser preservado.
Esse equilíbrio me veio depois que trabalhei na Secretaria de Meio Ambiente de Santa Maria Madalena. No primeiro dia de trabalho, os pernilongos começaram a me atacar. Foi, então, que a Bióloga de plantão, Daniele Garcia, ensinou-me a primeira lição:
- Aqui não se mata nem pernilongo! Nossa missão é proteger a natureza e não acabar com ela.
Saí de lá com as pernas cheias de calombos, chateada e sufocada com a fumaça das velas de andiroba espalhadas por todos os cantos.
Absorvi o ensinamento. Os insetos tinham mesmo que ter um tratamento diferenciado. Eu era urbana, acostumada a matar tudo quanto é bicho, deveria me conter; depois do discurso passei a ver os insetos com outros olhos. Pelo menos dois de cada espécie tinham de ser preservados. Foi assim que deixei Cidnelson e Cidcreuza habitarem minha existência. Passei a ser uma arca de Noé, salvando um belo par de piolhos.
Conviver com essa dupla me fazia refletir a importância deles para a lógica do capitalismo. Cheguei à conclusão de que o piolho gera emprego e movimenta uma poderosa indústria de pente fino, sabonete e xampu.
Eis um cálculo, usando apenas o pente fino: se cada pente custar dois reais e forem vendidos quinhentos em um só dia, são mil pratas! É só usar este raciocínio e aplicá-lo ao mundo inteiro.
Mas digamos que as mães resolvam acabar com os piolhos dos filhos, num movimento único de caça às bruxas? Aí seria o fim das indústrias e o aumento do desemprego.
Aqui para nós , se piolho fosse bom, não constaria nas dez pragas do Egito. Mas isso tem uma explicação; é preciso um controle de natalidade... Quando prolifera, que vira praga. O ideal mesmo, seria um Cidnelson e uma Cidcreuza por cabeça, pois, assim, a engrenagem do capitalismo não ficaria comprometida.
Deus faz tudo certo, criou o piolho e a unha. Uma coisa não subsiste sem a outra. Passei a reparar a quantidade de gente que leva a mão à cabeça. É incrível! O boi afasta as moscas com o rabo e os homens afugentam seus bichinhos com as unhas.
Alguns acham que a unha só serve apenas para passar esmalte; isso já é outro texto e outra indústria, por sinal, mais rentável que a do pente fino.
A unha serve para coçar. Se na hora da coçada vier um piolho, não se envergonhe, junte as unhas dos polegares e esmague o bichinho!
�Trair e coçar é só começar�. Essa peça de teatro ficou anos em cartaz. A explicação é simples: coçar é uma coisa boa, - vou me deter apenas na parte do coçar... Vai que o Sampaio leia o texto e comece a pensar besteiras.
Se coçar não fosse bom, eu já teria expulsado os piolhos da cabeça. Eles são fonte de prazer. O mais gostoso ainda é quando alguém nos coça... Que delícia! Não vejo o porquê de não abrirem uma cafuterapia. Olhos fechados, música instrumental e os movimentos de sobe e desce pelo couro cabeludo.
Fiquemos na cafuterapia, nada de radicalizar em filial que cuide de piolhos. O assunto ainda é tabu para muita gente. Se abrissem uma �piolhoterapia�, iriam morrer de fome. Ninguém quer assumir os piolhos. O coitado é tratado como �Segredo de Estado�. As diretoras dão mil voltas para falarem de piolhos nas reuniões de pais; falam baixinho como se estivessem num confessionário; as mães catam os filhos às escondidas, como se o piolho fosse um pecado. Tudo bem que se queira proteger os piolhos dos humanos, mas não precisa tanto.
Essa nova visão dos bichos, que aprendi na Secretaria de Meio Ambiente, foi muito oportuna. Inclusive, teve um dia que a citada Bióloga, abriu a gaveta do arquivo e deu de cara com uma barata, preta e cascuda. Como não se conteve, saiu gritando pelos corredores da Secretaria e me pediu que desse cabo daquela situação porque ela precisava de um documento do arquivo.
Foi aí que me lembrei do pernilongo e respondi:
- Nossa missão aqui é proteger a natureza e não acabar com ela!
Selma Nardacci


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Selma Nardacci dos Reis
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