VELÓRIO DE UM PINGUÇO

 


 
Nas brenhas do meu Nordeste

 
Tem umas estórias sofridas,

 
Destaco aqui no repente

 
Conflitos de muitas vidas,

 
Tentando sobreviver

 
Nas terras secas e ardidas.

 
 

 
Pois é no sítio mocambo

 
Que chamarei “Barriguda”,

 
Eu encontrei um sujeito

 
Com sua cara papuda,

 
De tomar pinga com força

 
Mais uma negra rabuda.

 
 

 
O tira gosto era “língua”!

 
Por que dinheiro não tinha,

 
As refeições que tomavam

 
Era cuscuz de farinha,

 
Regada à água do pote

 
Quando das farras ele vinha.

 
 

 
Chegava cambaleando

 
Topando em ponta de toco,

 
Um olho roxo azulado

 
Fruto de tapa e de soco.

 
O dedo grande sangrando

 
Pois era grande o sufoco,

 
 

 
Acompanhado da negra

 
Sua fiel companheira,

 
Seu nome tenho em sigilo

 
E nunca faço a besteira,

 
De me expor no presente

 
Com coisa bem verdadeira.

 
 

 
Em pouco tempo ele morre

 
Duma cirrose hepática,

 
O seu velório um presépio!

 
Nunca esqueço a temática,

 
Regada à cana brejeira

 
Com tripa seca de vaca.

 
 

 
Acompanhando o velório

 
Muitos bebinhos assistia,

 
São nomes bem engraçados

 
Que vindo da freguesia,

 
Vou relatar alguns nomes

 
Que o velório assistia.

 
 

 
Genário o cabeça branca

 
Conhecido por cocada,

 
Caboclo bem fedorento

 
Com sua calça rasgada,

 
Falava alto e cuspia

 
Depois de uma “lapada”.

 
 

 
José de Zuza outro “pato”

 
Que no velório estava,

 
Foi companheiro de pinga

 
Com muito drama falava,

 
O nosso amigo se foi!

 
O outro logo chorava.

 
 

 
Nêgo e Geraldo de Dora

 
Outra duplinha da pinga,

 
Ficavam ao lado do corpo

 
E respirava a catinga,

 
Que o defunto exalava

 
Vindo de baixo e de cima.

 
 

 
Garapa, o filho do morto

 
Pinguço de carterinha,

 
Trazia cana de graça

 
E logo enchia a latinha,

 
Oferecia aos pinguços

 
Com tripa assada e farinha.

 
 

 
A velha Chica Portela

 
Velha de barba e bigode,

 
Passava o dia no mato

 
Com um cabrito e um bode,

 
Fedia a “pai de chiqueiro”

 
Da sua roupa é que sobe.

 
 

 
 

 

O velho Antonio Rufino

Que era tio do defunto,

Bebia cana à vontade

E não saia de junto,

Olhava a cara do morto

E não mudava o assunto.

 

Depois das três da manhã

Muitos pinguços caídos,

O velho Chico sentado

Com pena do ocorrido,

Pois lamentava sozinho

Sentindo um pouco sofrido.

 

Nêgo irmão de Geraldo

Primo do morto pinguço,

Levou à mão a barriga

Dizendo a coisa ta russo,

Soltou um peido estrondoso

Com um roncar de um urso.

 

Dona Joaquina Bandeira

Que conviveu com o morto,

Tinha o cabelo assanhado

E seu dedão era torto,

Vítima de uma topada

Na casa do velho Zé Porto.

 

E o defunto ta lá,

Bem no meinho da sala,

Só escutando as visitas

Por que defunto não fala,

Só esperando o momento

De se levar para a vala.

 

Segundo a minha historinha

Que retirei do velório,

Contada do jeito que vi!

Como dizia Tenório,

Com testemunha e tudo

Que registrei no cartório.

 

Às dez e meia do dia

Hora de o corpo sair,

Levado por uns biriteiros

Bêbado de quase cair,

E o caixão balançava

Fazendo o povo sorrir.

 

E foi seguindo o cortejo

Acompanhado por muitos,

A velha Chica cantava

A ladainha ao defunto,

Com um corinho afinado

De todos cantando junto.

 

A caminhada é sofrida

E um sol quente abrasante,

O povo todo cansado

O cemitério distante,

E o defunto é levado

A passos lento e constante.

 

Grudada a alça direita

Seguia o velho cocada,

Cansado e mal humorado

Pois já sofrera topada,

Deixando o dedão do pé

Com uma unha arrancada.

 

Mas não desgruda da alça

Nem que lhe paguem dinheiro,

O seu prazer é seguir

Com o seu bom companheiro,

Lembrando as farras que teve

Em um adeus derradeiro.

 

Vou encerrar por aqui

Depois eu conto o restante,

Como se deu no enterro

Com atropelos constate,

A choradeira foi grande

Um verdadeiro rompante.

 

 

escrito por: Roberto Ribeiro em: 18 / 06 / 2008

 

robertosales
© Todos os direitos reservados