Para findar a decadência do meu eu partido,
Acabei por me agarrar à raiz obscura de todo o mal...
A doçura de todos os gestos trocada pela secura do sal
E um olhar injetado que nem mais procura o que foi perdido.
Dominado pelo furor do mais profundo e recôndito do inferno,
Como diferenciar-me de um demônio, se, ao acaso,
Tudo que passa por mim, inescrupulosamente eu arraso,
Tudo que chega a mim se converte em um horror eterno?
É que eu deixei de lado todo o senso, toda a minha humanidade
Quando abandonei os sentimentos e deixei de amar.
Lancei meu navio à deriva só para vê-lo naufragar
E assim, me tornei sombrio e insensível para toda a eternidade.
Toda a calmaria da vida em mim se permuta pelo escândalo.
Nenhuma beleza do mundo me comove, tudo é sinistro e grave!
Não confio em ninguém e sou um traidor. Com a lábia suave
Sinto que sou um enganador vil, um frenético vândalo.
Quando foste embora, em anjo que era, caí feito um demônio.
Chamei-te louco, por amor à ti, para que mantivesses a inocência
Que tanto me inspiravas com teu olhar. Foi vão; e a demência
Tomou conta de mim, em cada átomo, célula, hormônio...
Sim. O mal inerente a todos acordou em mim por uma mulher!
Ó! Fatal Proserpina, luxuriosa Messalina e tentadora Eva,
Em tudo me levaste ao pecado, ao proibido, à ignóbil treva
E me atiraste no lamaçal da malignidade ao teu belveder!
Estes gritos ocos, eviscerantes e que causam um fosso n'alma,
São como terríveis vozes diabólicas que incitam em sussurros
Toda a sorte de perversões e que batem noite após noite como murros
No limiar da consciência, fazendo-a ceder ao mais tétrico trauma...
Como luzes e sombras pairam em mim os fantasmas da danação.
Parece-me que o veneno de meus lábios, entre gritos e cochichos
Levam a torpeza a todos os espíritos, todos os nichos
E eu sinto enegrecer, corpo, alma, mente e este negro coração!
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