Maria de Nazaré e Capitu
Sem perceber, descobri um paralelo entre Maria de Nazaré e Capitu, personagem do livro Dom Casmurro de Machado de Assis. Tentei me livrar dessa idéia fixa... Imagina comparar uma virgem tão pura com uma personagem tão duvidosa.
Não foi de propósito que tal ideia me ocorreu. Eu estava refletindo sobre as dúvidas de José em relação à Maria na história narrada pelos autores dos quatro primeiros livros do Novo Testamento. É o episódio em que o anjo Gabriel aparece à jovem, anunciando ser ela, a escolhida para ser mãe do filho de Deus. Maria, conta a história ao noivo que duvida de suas palavras e a abandona.
Com Capitu aconteceu uma situação semelhante, seu marido tinha uma ideia fixa de que havia sido traído. Capitu fica grávida e o livro todo caminha em torno dessa questão. É característica de Machado, envolver o leitor e fazê-lo participar de suas tramas, deixando uma pulga atrás da orelha, produzindo uma história sem fim, onde várias versões acompanham o caso que nunca se concretiza.
Interessante como o cérebro provoca conexões e amarra assuntos cronologicamente distantes. Capitu e Maria de Nazaré, o que essas duas mulheres têm em comum? Essa é uma pergunta retórica, mas faço questão de responder. Elas têm em comum a dúvida de seus maridos. Ambos desconfiavam traição e colocavam em cheque o comportamento de suas mulheres.
Os dois casos foram solucionados de maneiras diferentes. José recebeu a visita do anjo Gabriel que lhe revelou toda a verdade e um ponto final foi posto na história que nunca mais foi mencionada em outro livro neotestamentário.
Imagino que se não fosse esse tratamento de choque, Maria seria uma eterna Capitu... E até hoje o mundo estaria duvidando de sua honestidade.
Ao contrário de Maria, Capitu está sempre na berlinda, na boca do povo; tratada como mulher leviana, representada inúmeras vezes no teatro, cinema e televisão como aquela que tirou vantagens da ausência do marido.
Afinal, ela traiu ou não traiu Bentinho? A resposta fica por conta de cada um, que tiver paciência em aturar o mau humor de Dom Casmurro.
Por falar em Casmurro, chegou a hora de compará-lo a José. Conheço o primeiro, muito mais do que o segundo. Tudo indica, que no contexto em que José vivia, ficava mais fácil acreditar em milagres. Sendo assim, sua dúvida torna-se menos fundamentada do que a dúvida de Dom Casmurro. Não que eu esteja querendo defender tal personagem. Mas me baseio no fato de que, se o próprio Deus havia escolhido a virgem mais virtuosa de Belém para ser a mãe de seu filho, por que José colocaria sobre ela tantas dúvidas?
Usando a técnica machadiana, sugiro que cada leitor faça sua reflexão sobre o seguinte tema: teria José razões suficientes para duvidar de Maria?
Selma Nardacci, 19 de outubro de 2011.
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