Fala Grosso e Fala Baixinho


FALA  GROSSO E FALA BAIXINHO
 
Ele se chamava Fala Grosso. Era franzino  e calvo, mas dono de uma voz extremamente alta. Quando se pronunciava, os de longe sabiam que se tratava do Fala Grosso. O homem parecia ter um microfone na boca e uma caixa de som no peito. Quando falava, o som explodia em ondas  sinuosas que diminuíam em marolas.
O que Fala Grosso camuflava com aquele vozeirão? Talvez compensasse a pequena estatura.  A fala forte e convincente  o tornava um gigante e amedrontava os fantasmas ao seu redor. Usava a voz como mecanismo de defesa. Mas ao mesmo tempo era educado e  cativava as pessoas simpaticamente:
_ Bom dia! Boa tarde! Boa Noite! Feliz Natal! Boas Entradas.  
Quando via uma mulher grávida era certo desejar:
_ Que você tenha uma boa hora.
Esse era o Fala Grosso da minha infância. Nem sei se ainda existe. Mas,  as lembranças de suas atitudes permanecem vivas até o dia de hoje..
Tem gente, que nem imagina que um dia vai ser lembrada, pois se soubesse, faria tudo bonito.
Conheci a antítese do Fala Grosso, o Fala Baixinho.
E não é que o cara falava baixinho mesmo! Vendia doces numa “tendinha”. Tendinha era o botecos de antigamente, que além da cachaça, vendia uma penca de outras coisas.
Fala Baixinho era calado, escondia uma tristeza. Parecia ter medo de abrir a boca. Vivia numa desistência da vida. Vendia por ocupação. Era melhor do que não fazer nada. Tem sempre uma criança que compra uma bala, um pirulito e dependendo da idade, um chiclete.
Um dia, sem ninguém saber, Fala Baixinho se trancou no banheiro, jogou álcool sobre o corpo e transformou-se numa tocha humana.
Tem gente, que nem imagina que um dia vai ser lembrada, pois se soubesse, faria tudo bonito...
Os humanos são complicados, desistem quando olham as pedras no caminho. Inventaram que desistir dá menos trabalho, é uma dor que dói uma vez só, depois  acaba. Viver é  dor todos os dias.
Cheguei à conclusão, que todos escondem alguma coisa. Os que falam alto, os que falam baixo, os altivos, os humildes, os arretados, os calados. Mas o que determina a escolha pela vida é o modo como cada um administra as coisas que esconde.
Eu me protejo escrevendo, trazendo à memória atitudes que possam me inspirar.  E no futuro, quando eu for lembrada, que seja por tudo que tenha feito de bonito.
“Que a beleza de Cristo se veja em mim.
Toda a sua admirável pureza e amor”.
 
Selma Nardacci, 16 de novembro de 2011.
 

Selma Nardacci dos Reis
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