Orfeu (Em Versos Brancos)

 Orfeu. Mito digno dos épicos mais intensos.

Como narrar um amor tão profundo que atravessou as dimensões?

Pobres versos os quais tentam fazê-lo, pobres...

E, entretanto, cantar tão grande amor não carece de uma lira.

 

A trágica morte da adorada e deslumbrante Eurídice

O fez viajar ao averno com o seu segundo maior bem: A lira.

(Posto que o maior de todos fora seu interminável amor).

E sua música era nas trevas como um banho de luz.

 

Enfrentando as inúmeras adversidades do caos e terror,

Orfeu, temerário, rumou aos horrores do supremo nada:

"Aquele que aqui entrar, perca toda a esperança!" (E eis que ele não perdeu!).

Caminhou e caminhou com a obsessão do amor e do desejo.

 

E diante de Hades, fez a máxima solicitação, o fatal pedido;

O deus, em seu assento, ouviu-o paciente e indiferente,

Contudo, ao ouvir o som da lira do destino, mesmo ele calou

Impressionado com o acorde tão infinitamente sublime:

 

E consentiu com o querer imenso da jovem lenda:

"Eurídice será tua! Contanto que nunca olhes para trás enquanto aqui estiveres!"

E Orfeu, em prantos, agradeceu ao senhor do submundo,

Mais agradecido porém, à sua coragem de vencer a treva pelo seu amor.

 

Mas quis o destino que tão infinito sentimento não perdurasse,

E quando prestes a atingir a claridade da terra branda

Olhou para trás e a amada instantaneamente tornou-se pedra...

Fria, morta, presa, condenada aos eternos tormentos...

 

O desespero da perda, da falha, calou mesmo seu instrumento.

Dir-se-ia que sua falha fora uma artimanha do próprio averno,

Mas mesmo que fosse, de quem seria a terrível culpa:

Do tentador ardiloso ou do inocente tentado?

 

O jovem caiu em desalento e iniciou uma busca:

Não por métodos de reaver seu amor perdido, e sim para encontrar-se

Nas desolações mais ermas do mundo imenso, o qual, todavia,

Havia se tornado minúsculo diante do abismo em sua alma.

 

Até mesmo as bestas mais ferozes se compadeceram de sua dor;

Com ou sem a lira a tocar, passavam por ele quietas...

Juntou-se o mísero aos Argonautas então, a procura de não se sabe o quê,

Mas não encontrou também lenitivo para seus males mesmo na jornada.

 

Foram sonhos despedaçados, uma história sem fim...

O pobre queria morrer, mas não sabia a maneira.

Por fim, na Trácia, as bacantes belíssimas se lhe ofereceram

Em vão, pois que seu amor pertencia a uma única donzela!

 

E despeitadas com tão obstinado arroubo, juntaram-se.

(O destino lhe deu as costas, então, ou lhe sorrira...)

Lentas, as adagas entravam e saíam de seu corpo apático,

O infeliz, por fim, dormia... dormia...

 

Esquartejado, chegara ao fim da viagem, exausto...

Triste, todavia? Não! Pois era finda a grande dor.

Orfeu encontrara-se com Eurídice, enfim, sem arrependimentos,

Posto que tão grande amor fora fiel ao ponto de nem a morte aniquilá-lo!