Uma banheira com cara de baleia
Abri a gaveta e dei de cara com um caderno muito antigo onde eu costumava escrever os desejos mais escondidos. As páginas já estavam amareladas e a cada folha era como se o tempo voltasse. Se não houvesse registro, talvez as lembranças fossem vagas.
Senti vontade de acabar com o caderno... Vergonha de ter escrito coisinhas bobas que hoje não fazem o menor sentido. Não destruí nada. Deixei tudo como estava. Aquele era o meu jeito de ver as coisas, não carecia vexame.
Dentro dele, uma lista de desejos, que de tão antigos, já haviam se cumprido. Só o fato de um dia terem sido desejos e terem acontecido, me deu ânimo para fazer nova lista. Sentei na cama e coloquei para fora os sonhos guardados. Os desejos não eram muito impossíveis, era preciso perseverança. Entre eles, uma banheira de água quente, sempre à noite quando chegasse cansada do trabalho. Uma água que não esfriasse. Um útero materno.
Saudade do útero... Quero revivê-lo, nem que seja através dessa banheira, num líquido amniótico morninho, sem tempo marcado, sem culpa nenhuma e com a mente vazia de tudo.
Dias destes, visitei uma casa, que no banheiro havia uma banheira, em cima dela, uma tábua com um pano, sobre a tábua e o pano, dezenas de embalagens de higiene pessoal. Do lado da banheira, um box com chuveiro. Pensei:
_ Que desperdício! Uma banheira tão boa, usada como penteadeira. Por que substituíram as banheiras por chuveiros, fazendo delas artigo de luxo em hotéis cinco estrelas?
Esse mundo capitalista, “onde tempo é dinheiro” não nos permite nem tomar um banho prazeroso. Que voltem as velhas banheiras brancas, com aspecto de baleia, para que e os banhos voltem a ser um ritual de purificação e eu possa matar a saudade do útero materno.
Selma Nardacci
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