Madrugada

Dizem que não podemos ter tudo o queremos. Aliás, a única pessoa que mo disse foi a Maria, numa dessas madrugadas vazias, em que ela é ela e eu sou eu, no jardim sombrio, enquanto o copo de vinho e o cigarro duram. não sei se ela tem razão, eu sempre tive tudo o que queria, pelo menos diz o meu sábio pai e os lamentos da vida são infundamentados e birras de criança. só sei que me falta algo, desgraça-me para o ter e nunca sei ao certo o que é pois a insatisfação é sempre a mesma. Talvez seja a tua boca quente na minha, o teu corpo acorrentado ao meu, talvez a carne, beijos de paixão nestas noites nas quais nos perdemos, somos animais satisfeitos por natureza! não sei se é isso, porque depois amanhece e o vazio aumenta, sempre tão igual, tão profundo. por mais que me esfole, esfole os outros, não consigo satisfazer esse não sei o quê que me faz falta. já tentei explicar isto à Maria e ela diz sempre a mesma coisa: nem sempre podemos ter tudo o que queremos. Hoje é a madrugada mais infeliz e vazia do meu quarto, consigo perder-te no outro, ao lado.

 Célia Bastos


 

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