Rapunzel não é mais aquela,
já foi magra e muito bela
mas a semi-donzela agora
é gorda cubista de Bela Vista.
De quanta janela as tranças caíram
e pelas mesmas tranças os monstros subiram
para ver lhe a feiura que a iluminura dos livros não dizia.
Subia também a tal da bruxa naquela torre,
de tão escultural e perfeita,
pelo príncipe foi eleita para o matrimônio,
viveriam felizes para sempre na Chácara Santo Antônio.
Para a pobre moça, sobrava mesmo a louça da pia,
do almoço dos comensais que logo após,
ouviam seus preciosos recitais.
Cacarejo pseudo-erudito, coisa dura, de doer o ouvido,
praticado com afinco para sublimar a falta de marido.
Até os quadros de Botero na parede pareciam se aborrecer,
pois os Picassos não aguentaram o suplício,
foram parar no hospício!
Sacrifício era subir a ladeira com a sacola de feira.
Tantos quilos desafiando as leis da gravidade
eram na verdade, observados pelo pantaneiro Madureira,
seu único admirador, escudeiro e fiel cortejador.
Não era nada bonito, com semblante rococó-esquisito
no estilo anjo de pé de santa,
só que fermentado, uma jamanta!
Chegava para a janta e só saía por decreto.
Pois um dia desses, deu de ficar até mais tarde
só para ouvir a cantoria, fina peça, rara elegia.
Fora essa, especialmente separada para ele,
executada com inflamada maestria,
mal sabia o que a gorda, em verdade, pretendia.
Iria acabar o mito da puritana desconsolada,
e se ele assim quisesse fazê-la mulher,
haveria de levar o lençol como prova à vizinha Estér.
O ranger da cama e a respiração dificultosa,
deixou em polvorosa a imaginação alheia.
Teria o pantaneiro caído na teia da gorda?
Mal o dia amanheceu, correu boato sobre o fato.
O assunto enchera o prato das carolas
que por horas ficaram a vigiar sua porta.
Estér, a mais ansiosa, fez de ir ter prosa,
hesitou, desistiu, não era tempo, deduziu.
Teria o pantaneiro caído na teia da gorda?
De olhos apostos viram o abrir da janela
todas ficaram espantadas e diziam:
- Não é ela, não é ela!
A bruxa voltara da Chácara Santo Antônio
de matrimônio desfeito, divorciada!
Pegou sua melhor vassoura, banhou-se de salmoura
e aterrisou na ainda madrugada de Bela Vista.
Seu encanto de "felizes para sempre" se quebrou,
pois a gorda finalmente desencantou.
De ato inacabado, na mira da ira da bruxa,
o feitiço lançara enguiço no prazer do coito.
Aprisionara o casal em um quadro,
em retórica um tanto quanto fora de esquadro.
Abriu um ateliê, construiu clientela, fez fama,
com a pintura da semi-donzela gorda cubista na cama.
Rapunzel não é mais aquela, não é mais aquela.
São Paulo
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