Nasci de pescoço torcido,
antes mesmo de ter escolhido
o que pensar, vestir, comer.
Antes mesmo de nascer
já torciam para que fosse um menino
e a torcida deu resultado,
o festejado primogênito nasceu!
Tinha olho verde e cabelos poucos,
entreolhavam-se, perguntavam-se:
- A quem puxou?
Talvez o bisavô, tataravô,
avestruz, rinoceronte, pterodátilo.
A curiosidade ia além.
Que nome falaria primeiro?
Papai, mamãe, dinheiro?
Nenhum desses.
Apenas o monossílabo preferido dos bebês,
decodificado somente por Et's.
Torciam para que eu fosse inteligente
e as notas altas vieram.
Torciam pela namorada, pela medalha, pela taça.
Na adolescência foi que torceram o nariz
ao perceberem que o controle-remoto quebrou
e que o "televisor" já tinha vontade própria.
E por falar em vontade, o primeiro beijo
foi aos 15 com a namorada do colégio,
tarde, eu sei, mas o fato é que ela se foi.
Esperei a segunda, não veio.
Já não havia vaga para a terceira
e a vida seguiu sem enumerações.
No despertar de mais um dia
um voraz torcicolo acometia os sentimentos.
Nas distrações da juventude,
uma inquietude pautava os pensamentos,
mas a vida seguia sem enumerações.
Torcia o cachorro para que algo acontecesse,
mas a ração do dia era a mesma, posta e imposta.
De repente, um raio, descarga de 22 mil volts.
Silêncio na torcida,
entreolhavam-se, perguntavam-se:
- A quem puxou?
Talvez o bisavô, tataravô,
avestruz, rinoceronte, pterodátilo.
A curiosidade estava morta, enterrada.
E a vida reaprendeu a contar.
São Paulo
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