No meio da rua,
sentado na calçada,
um corpo fino, curvado,
de dentes cariados.
Um menino
uma camisa do flemengo
vestindo esse corpo judiado.
Resistente, magro carente.
os olhos
nem parecem de gente,
uma chinela havaiana rasgada
toda suja de terra.
as unhas dobradas pra baixo,
como casca de pau querendo cair
Num olhar ,
o espanto
o colchão
no vão o manto,
a casa,
um beco,
do lado da rua
-casa nua
sem nada
porta;
janela;
prato;
panela...
a parede, o piso.
aparetemente lisos:
do corpo,
do filho,
da rua,
imagem crua
muitas bocas, abertas
afagadas pelo resto de pão,
no chão
da rua
à noite,
a lua
quase morto,
o lago poluído
seu brilho frio de amor
refletia o calor
como o dia que se foi
a fome passou.
correndo,
o tempo
-as migalhas de pão
ainda dão
uma refeição
no chão
deitado
o irmão
a maninha
queria farinha
coitado!
calejado!
o pai,
Da mão
do carro de papelão.
feito brasa
com resto
sem rosto
queimado do sol
do suor,
o sal
na roupa
que voltou
pra casa,
sem casa
se fala
ou se cala
ninguém reclama
ninguém houve
ou chama
a porta da frente
não fala
os carros que vão
e vêm
não têm olhos
pra calçada.
a esquina do mundo
que passa por baixo da calçada
da fama,
dos pés, da lama
sem cama,
da cega justiça
a dor.
a mais doída das dores
ainda dói
adentra ao beco
daquela família
adentra pela frente,
daquela gente
banguela
a boca comida
a vida comida.
vida sensata
a fome ainda mata.
Licença
Sob licença creative commons
Você pode distribuir este poema, desde que:
- Atribua créditos ao seu autor
- Distribua-o sob essa mesma licença