Estava escuro e eu não te via.
Sabia que estava por perto.
O cheiro de terra molhada
Se misturava ao seu.

Ouvi vozes distantes.
Gente removendo escombros.
Saí tateando paredes.
Minha perna...
Sempre essa perna inchada
Me puxando para trás.

Chamei seu nome. Tentei gritar.
Depois as vozes sumiram.
Saíram num carro sem luzes.

Não ouvi mais nada.
Nem um gemido.
Recostei-me na parede
E deixei o corpo escorrer.

Acordei com um estrondo.
Raios rasgando o céu
Inundavam de luz a praça.
Vi que os jardins não foram atingidos.
Chamei seu nome,
Mas não havia ninguém.
Um miado de gato e mais nada.

Levantei-me e arrastei a perna até o chafariz
Em que os anjos de pedra urinam para o alto.
Bebi a urina, lavei as feridas, o rosto e os braços.
Então, veio a chuva
E o bolero de Ravel misturado aos trovões.
Tirei a roupa e dancei na piscina.
Rodopiava de braços abertos
E parava com as palmas das mãos para o alto.
Depois, soltava o corpo para trás
Pra sentir a água estalando nas costas.
Tomei um banho do céu e da terra.

Por fim, subi no pedestal dos anjos de pedra
Abri os braços e soltei o corpo pra frente.
O céu, num clarão, iluminou o espelho d’água
E, do outro lado, estava você
Atirando o corpo contra o meu.

Carlos Augusto Cacá
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