Dois corpos caídos no lençol que cobria a cama. Um dos corpos se mexia freneticamente e o outro dormia. Fora do quarto a chuva chamava a noite para um passeio pelas ruas. O corpo que dormia não sabia, mas o que velava a noite compadecia. Do outro lado do quarto a parede da sala falava com a cozinha. No quintal a água da chuva molhava o chão que tremia de frio. A mão ousada tocou o corpo que dormia, porém, ele não mostrou movimento, parecia que ele jazia dentro de um mundo fechado que só morria. A mão que tocou não viu temperatura, então saiu. O corpo que velava se levantou e foi falar com o chuveiro que pingava no azulejo do banheiro.
 
Longe de acordar o corpo tonto na cama não sabia que o corpo agitado queria atenção ou algo que o enchesse dentro do seu mundo que era vazio. Os riscos de água caíram na cabeça do corpo como um manto, todo ele foi batizado com água morna. O cheiro do ar era molhado e úmido, mas o sabonete de erva-doce levou a magia para o corpo que bailava no banheiro, onde tudo corria.
 
A sala foi até a mesa saber por que um corpo tão belo sofria? Sem resposta e quieta a mesa ficou, pois nada sabia. O escuro entrou no fim, pois a luz do banheiro apareceu e o corpo perfumado se preparava para sair. O quarto não queria ser fofoqueiro, mas comentou com a cama onde o corpo caído e imóvel como pedra dormia.
Pobre cabeça humana! Depois de muitas gotas de água morna o frescor do corpo foi coberto por uma camisa de seda e uma calça jeans.
A porta da rua já sentia saudade da chave. A luz fina que entrava pela cortina que namorava o vento deixava entrar uma fresta de luz mostrando os olhos da chave que também namorava a fechadura. O cheiro no quarto incomodava o tapete pisado por todos, mas era hora de tudo mudar, o perfume iria cair em pequenas gotas no seu macio veludo. O corpo ereto olhava o corpo deitado de costas que perdia tudo. Um jato de aroma molhou a camisa de seda e o tapete ficou feliz por ser perfumado.
 
Fora do quarto à garagem amava o carro, ela gostava do seu motor potente e fácil de esquentar, mas o carro andava se encontrando com a rua e isso estava atrapalhando o seu bom relacionamento. Sabendo que era hora de sair o carro piscou para a garagem e disse a ela que só iria sair porque teria que cumprir ordem. A garagem sabia, mas tinha medo que o carro perdesse a cabeça e não respeitasse o limite de velocidade e a chuva que caia.
 
O corpo e o jeans e a seda o portão os recebeu, logo o carro passou mostrando sua vez num ronco forte de motor. A casa ficou vazia, todos os cômodos voltaram a dormir. O carro e o corpo seguiram noite adentro. O corpo conheceu novos corpos, o carro novos amigos. Antes da luz do sol o corpo e o carro voltaram para casa e entraram na garagem que dormia, mas a garagem acordou para amar o carro que voltou como havia saído, porém o corpo não foi tão feliz, pois o outro corpo nem percebeu que o outro lado da Cama ficou o tempo todo vazio...       

Eric Fall
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