Joao

Não nasceu, foi cuspido/
na vida/
fruto de um ato de violência/
chegou no abandono/
nasceu em um canto qualquer/
parido e abandonado/
nunca viu um olhar de carinho/
vagou de rua em rua/
aprendeu a viver de pequenos furtos/
esquivando-se entres os carros/
comendo qualquer sobra/
João aprendeu a ser só/
nunca se encantou com nada/
nunca fez pergunta sobre seu destino/
mas por essa coisa que a vida nunca explica/
sobrou no olhar/
lá fundo daqueles olhos azuis/
uma luz de dignidade/
nada de revolta/
nunca teve amor/
simplesmente veio ao mundo/
E um dia desses ele entrou num bar/
postou-se no fundo e pediu uma cachaça/
Então João foi tocado/
primeiro, pelo acorde do piano/
depois pelo som da guitarra que o despertou do seu mundo/
e ele então virou-se para o palco/
seus olhos se encontram/
repentinamente e por segundos/
uma eternidade para o que aconteceu ali/
Maria, linda...negra..
entoava o seu blues/
cantando o lamento de uma vida sofrida/
sua voz invadiu o ambiente/
harmoniosa com o dedilhar do piano e o suave toque da guitarra/
João pela primeira vez sentia um aperto no coração/
despertou para mundo que ele não conheceu/
um mundo de sentimento/
de emoção no coração/
Maria viu naqueles olhos/
uma vida que ela deixara para trás/
vítima de um ato de violência/
violentada pelo filho do patrão/
abandonou o filho, logo após o nascimento/
e seguiu vida afora cantandoo blues/
cantando e contando sua historia/
pedindo perdão à sua maneira ali no palco/
onde fez sua vida/
o seu destino/
assim como o blues que entoava/
um lamento e um grito pelo filho que nunca conhecera/
João perdido no canto do bar/
aos 12 anos,
indiferente à vida, sem esperança/
devorava sua cachaça../
descobria ali que havia sentimento no seu coração/
não se falaram/
não se descobriram/

sentiram-se/
Maria desapareceu no tempo/
como o eco de um aguitarra num solo choroso/
João foi assassinado/
aos 13 anos/
num beco da favela....
morreu com um sorriso nos ábios/
sem saber porque tinha vindo para essa vida ...."