Antigamente, muito antigamente só a noite existia.
Era absoluta na sua presença constante de magia.
Porque a melhor mágica se faz na noite, nunca ao dia
E o dia, então, em hora de nascer, tinha medo ou se esquecia.

Se reerguia a noite a cada volta dada.
Girava pelo planeta todo; a Terra dominada.
E tão pequeninos, uns sujeitinhos, a puseram em roubada,
Quando descobriram como era bom uma noite abusada.

Muito abusaram que fizeram dela alguns fios de luz negros fracos.
Fizeram dela um trapo, a noite bêbada, atormentada, abraçada com a santa.
E uma estranha invasão de claros tons, de alguns vermelhos manchados
Vieram se desmanchar, mas não puderam, porque a santa, até a noite levanta!

E a noite levantou sem forças prá lutar naquele momento,
Mas resolveu se esgotar, morrer por esse tempo.
O que fez foi só tardar o primeiro nascer do Sol,
Já que caiu no primeiro vento, e o dia invadia, lento.

Criou-se uma lacuna numa linha infinita
Entre a noite e o dia.
Foi uma nota, uma pausa tão bonita
Feita de névoa macia.

Um cheiro, a textura do vento, um peso tão lindo de ver no ar.
Tudo era mais fácil de enxergar, isso sem o dia clarear.
Uma pequena menina disse que aquilo era a aura da Terra a brotar.
E lá embaixo, a pequenina, aquele momento resolveu batizar
De hora da aura ou Aurora prá quem preferir simplificar.

Brilhava agora e sempre no céu o dia,
Porém no claro, ninguém se divertia, só corria.
Não agüentava o dia, e cansava-se da vida.
Implorava para a noite levantar-se e ir prá lida.

Ela ia e se acabava, e abusada, sucumbia...
Ao dia que brilhava, mas não agüentava e partia.
E ela ia, acabada, abusava e sucumbia...
E o dia que desistia, e a noite que consumia.

Ainda hoje o dia surge no flagelo de uma vida séria.
Divide o tempo e desvia o fardo da embriaguez eterna.

Gustavo Martinez
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