Quase sete da manhã, o vento gelado insiste em bater contra os vidros das janelas mal fechadas pelas mãos tremulas e ensangüentadas da menina. Há cerca de uma hora a menina cortou os pulsos num ritual macabro para acabar com a própria vida, e agora, jazendo na cama maculada pela mancha vermelho-escuro que se forma nos lençóis... A menina adormece.... Um sono profundo, sem sonhos, sem paz e sem despertar.
Primeiro dia; Alessa se levanta a contra gosto da cama, sem vontade de sair e ver o sol gelado do inverno, sem vontade de ver a mãe com os irmãos vendo TV, sem vontade de ver o pai indo trabalhar... Alessa sai do quarto com o costumeiro uniforme do colégio e com a mochila nas costas... ’Tchau Mãe’
Segundo dia; Alessa esta naquele quarto frio, desconhecido e fétido da ‘casa’ que ela se dispusera a trabalhar. Alessa tem agora dezesseis anos, alta, com 1.83, magra, muito branca, daquelas meninas que não parecem ter menos de vinte anos, apenas a dona da ‘casa’ sabia da idade da menina, mas isso seria mantido devidamente em segredo. Nono cliente da noite, Alessa, agora Natasha, nome adotado por causa da musica favorita que leva esse nome, esta agora em estado de letargia, homens feios, mal cheirosos e estúpidos que apenas querem transar com a menina nova da casa.
Terceiro dia; Alessa... Natasha foge mais uma vez da casa e vai sem destino pelas ruas da cidade, que agora parece muito maior que antes. Dez e quarenta da noite, a menina de mini-saia e com a barriga a mostra é abordada por um Toyota negro que encosta ao lado da menina que ainda andava sem rumo, pensando em voltar para casa e desistir de tudo, ao menos havia lucrado algum dinheiro na noite anterior. O homem no carro deve ter uns cinqüenta anos e esta com cara de quem encheu a cara pergunta para a menina quanto ela cobra, ela responde e em menos de dois minutos esta dentro do carro com destino a um motelzinho barato no centro. O homem pergunta a idade da menina, Natasha mente ter vinte, ele a puxa para dentro do quarto fétido e tranca a porta.
Quarto dia; a menina esta com dores pelo corpo todo, hematomas espalhados pelas pernas e nos seios voluptuosos. Ela tenta esconder as marcas, mas a pouca roupa não ajuda. Senta-se numa lanchonete e come qualquer coisa com os trocados que lhe restava, a menina, que agora já não sabe onde perdeu sua identidade, já não é Alessa, Natasha ou qualquer outra menina, outra mulher... Como foi largada pelo homem da Toyota no subúrbio e não tinha nem idéia de onde estava, estava mais uma vez perambulando pelas ruas. Quase três da tarde, a menina teve a infelicidade de estar passando em frente a um colégio, quatro rapazes, todos com mais ou menos a mesma idade que a menina, a vêem em tão poucas roupas a molestam, ela aumenta o passo e eles resolvem divertirem-se com a menina, a cercam a levam para um beco...
Quinto dia; a menina sem qualquer tipo de identificação acorda no que parece ser um hospital. A enfermeira diz que ela foi encontrada por um morador da região desmaiada num beco e a levou ao hospital... A menina se lembra de tudo, a violência dos garotos, e eles a possuindo um a um... Rindo com as lágrimas dela. Ela não pode ficar ali, ela tem que ir embora.... Novamente.
Sexto dia; Natasha foge do hospital antes que a policia aparecesse para fazer o B.O, sai de madrugada com suas pouquíssimas coisas pela rua, mas como antes, sem ter para onde ir, ela não tem idéia de onde esta. Natasha vê outra mulher numa esquina, com certeza é uma profissional da noite. Arrisca-se a perguntar o nome do lugar em que esta, a mulher hostil responde com estupidez informando que o ‘ponto’ é dela para a menina ir embora se não quisesse se dar mal. A menina continua andando...Alguns quarteirões a frente é abordada por um gol bolinha azul com dois homens que perguntam quanto ela cobra para ficar com os dois, apesar de ainda estar com dores, ela responde  e mais uma vez entra no carro com destino incerto, mas ela não se preocupa mais com isso. Os dois homens a deixam no quarto depois de tudo acabado, a menina sangra, os dois saíram sem pagar a ela ou o quarto.
Sétimo dia; a menina sai do motel sorrateira, de madrugada é abordada mais uma vez, dessa vez por um casal que diz pagar mais por transar sem camisinha, Natasha não tem mais nada a perder. Uma, duas, quatro horas depois o casal vai embora deixando a menina sozinha no quarto fétido e escuro, o mesmo da madrugada anterior... São quase seis e meia da manhã, a menina entra no que se diz ser banheiro e encontra uma lamina de barbear meio enferrujada, fica girando-a entre os dedos sem ao menos notar o vento frio que entra pela janela aberta e gela seu corpo seminu fascinada pelo reflexo tosco que a lamina tem do seu rosto... Ela decide ceder a voz que sussurra em seus ouvidos para acabar com tudo, com aquilo, que nada mais podia ser feito, que nada mais valia à pena.
A menina pega a lamina e faz cortes profundos nos dois pulsos na vertical e na horizontal sem nem ao menos sentir a dor. Olha-se pela ultima vez no espelho embaçado do banheiro e vê-se a mulher mais bela que poderia existir e pensa por que tinha que acabar desse jeito e olha seu sangue descendo quente pelos seus braços... A menina tira a roupa pela ultima vez e deita-se nos lençóis branco encardido. Há cerca de uma hora a menina cortou os pulsos num ritual macabro para acabar com a própria vida, e agora, jazendo na cama maculada pela mancha vermelho-escuro que se forma nos lençóis... A menina adormece.... Um sono profundo, sem sonhos, sem paz e sem despertar.

Não é uma poesia, é um texto que escrevi depois de assistir a um filme...Não me lembro mais o nome do filme (rs)...Mas fica ai para apreciação

Curitiba/PR

Samya Santori
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