Quartetos de São Luis (IV)

OS ARREDORES DA CRUZ

I

Quando no Outeiro da Cruz a terra virou pólvora
E o sangue dessas raças se transformou em adubo
As garruchas e as espadas estraçalharam as almas
E os cadáveres se amontoaram em nome de Deus.

Os índios e os franceses, portugueses e brasílicos,
Entregaram-se a uma guerra de corpos extenuados,
E vencidos, dilacerados, infelizes, deram as mãos,
Quando no Outeiro da Cruz a terra virou pólvora.

Sim, foi um milagre aquela guerra sem vencedores,
Pois todos os que lutavam tinha sua própria razão,
Todos morriam pela mesma terra, pela Santa Cruz,
E o sangue dessas raças se transformou em adubo.

Os homens tinham para si a Ilha do Éden prometido,
Nela não faltava nem água, sombra, nem o de comer,
As mulheres indagavam: em nome de qual d’El Rey
As garruchas e as espadas estraçalharam as almas?

Mas a rede de intrigas atravessa as paredes espessas,
Futricas e cochichos murmuram traições políticas,
Toda a degradação irremediável ali está presente,
E os cadáveres se amontoaram em nome de Deus.

II

A Ilha era bonita demais,
a Ilha hoje é mais bonita ainda
e a certeza dirá como a Ilha
depois de amanhã será soberba
e ainda muito mais bonita,
pois trará consigo o conjunto
de toda a beleza dos anos
passados, presentes, futuros.

Praia Grande, Boqueirão, Anil,
Madredeus, Outeiro da Cruz,
redes de igrejas trespassam
os psius sussurrados nos porões
comensais chefiam rebeldias,
entre paredes espessas do forte,
a palavra de ordem lusitana
ganha espaço em sermões.

Antonio Vieira condena futricas,
se cochichos murmuram rezas,
traições conjugais e políticas,
são para alimentar inquisidores,
os filhos bastardos regem as leis
políticas, o golpe militar, a morte,
tudo está aí, passado, o presente
irrevogável: tudo é, já foi, será.

III

Toda a degradação irremediável está presente,
Numa festa natalina que se converte em Carnaval.

É fevereiro, os negros têm uns dias de folgança,
Os capitães descansam os braços, a chibata dorme.

A Praia de Araçagy serve de rota para a fuga,
Que vai desabar na saudade das raízes em Benin.

Nuvens negras, carrilhões badalando, as caixeiras
Anunciam: é tempo de eleger o Imperador do Divino.

Em Alcântara os rojões festejam uma semana de fé,
Mas um preto chicoteado é esquecido no pelourinho.

IV

Aliás, não pare em mim,
Não sou um bom porto,
Sou um ímã abominável
Para coisas negativas...
Sou o mascarado mal,
Canibal de criança crua,
Ajo durante o Carnaval,
Nunca pouse em mim.
Não sou bom aeroporto,
Vivo colhendo reveses,
Até mesmo os amores
São eternos detestáveis.
Só os tolos se alegram,
Fiquem longe de mim,
Almejo coisas amargas,
Execrável e infame sou.
Ouça esse rock maldito,
Coisinha reles e banal,
Tenham aversão de mim,
Pobre e vil Rei charlatão.
Gosto da coisa obscura,
Procuro o caos execrável,
O ambiente mais péssimo,
Não cantem comigo, não.
Não sou oásis nem deserto,
O vento insuportavelmente
Gélido das madrugadas,
Afaste-se deste horror.
Os amores estão latentes,
Neste canto bem velhaco,
Vivo orando imprecações,
Dores lancinantes dores...


A ilha misteriosa

Quanto mistério esconde São Luis. Muito.
Em cada canto se desemboca numa praia
Ou no mercado velho, cujo odor recende,
Ao do tempo dos tempos desmemoriados
Junto com o cheiro da pimenta-de-cheiro
O perfume do cajazinho inteiro e maduro
E faz arder nas gargantas solitárias secas
O álcool áspero das tiquiras rósea e azul.


As mulheres de São Luis

Quantas mulheres tem São Luis? Quantas?
Desde as mulheres mais famosas coronelas
Até a formosa Amélia (me tirou o pé do lodo)
São Luis tem mil mulheres da pecadora à sã
Desde as mulheres santas da 28 de setembro
Às guerreiras de outrora do Outeiro da Cruz
Até as namoradeiras do Largo dos Amores,
Capazes de transformar a areia em pólvora.


Bairros e ruas de São Luis

Os bairros de São Luis são vários, nascem
E morrem engolfados pela terra, ar e água,
Desterro, Santaninha, São José, Alemanha,
Tem outros que nem são bairro mas fontes
Que vão desembocar no Cais da Sagração,
Fonte do Ribeirão, das Pedras e dos Leões,
Era naquela Rua da Paz a casa de Gardênia
Amor desfibrava olhos e lábios de carmim.


Rio de Janeiro, Cachambi,
13 a 20 de Novembro de 2003.

Rio de Janeiro, novembro, 2003