" O mesmo amor pelos animais e pela natureza, a mesma paixão pelo campo e pelas estações."

" O mesmo amor pelos animais e pela natureza, a mesma paixão pelo campo e pelas estações."

"Finalmente a cor de suas faces adquiriu estabilidade e foi como se o espírito da época —se na verdade existisse — adormecesse por algum tempo. Então Orlando apalpou o peito como se procurasse um medalhão ou uma relíquia de um afeto perdido e não retirou isso, mas um rolo de papel manchado de mar, manchado de sangue, manchado de viagens — o manuscrito de seu poema “O Carvalho”. Ela o carregara consigo por tantos anos e em tão arriscadas circunstâncias que muitas das páginas estavam manchadas, outras rasgadas, e a dificuldade que tivera de papel para escrever enquanto estava entre os ciganos forçara-a a aproveitar as margens e cruzar as linhas, de modo que o manuscrito parecia um cerzido conscienciosamente executado. Voltou à primeira página e leu a data, 1586, escrita por sua mão de menino. Trabalhava nele há cerca de trezentos anos. Era hora de terminar. Enquanto isso, começou a folhear e a mergulhar e a ler e a saltar e a pensar, enquanto lia, como ela mudara tão pouco em todos esses anos. Tinha sido um menino melancólico, apaixonado pela morte, como são os meninos; depois, tinha sido amoroso e exuberante; mais tarde, esperto e satírico; e às vezes tentara a prosa, às vezes tentara o drama.Contudo, apesar de todas essas mudanças, tinha permanecido — refletiu — fundamentalmente a mesma. Conservava o mesmo temperamento meditativo e sorumbático, o mesmo amor pelos animais e pela natureza, a mesma paixão pelo campo e pelas estações."

                                                 Virginia Woolf - Orlando

Eloisa Alves
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