Lapso de Solidão

Quando ele sorria tudo se enfeitava de vida e todas as tristezas arrebanhavam-se num lapso de solidão
E como um bicho, e os seus suores noturnos dissimulavam sobre o telhado os seus temores e choravam à lua um pedaço de brilho
Mas ela fechava as janelas para não ver a alegria intensa que habitava o dia
E todas as saudades e arremedos de lembranças se juntavam a ela,
E as molduras das janelas dividiam o céu, e os muros dos receios lacravam o mundo, petrificando nas faces os instantes de metamorfoses,
Mas o sol brilha entre as nuvens e os sorrisos vasculham os cantos em busca de bocas onde repousarem
Mas ela escondia o rosto, pressentida, temida dos sutis prazeres de amar,
A alma transbordada de rios, vazava, desejando o mar,
Louca com as contidas intempéries à feição do encontro, como se cada palavra dita por ele fossem as delas, furtadas por ele, aos sentidos dela,
E transpirava como se a coreografia das pernas não lhe pertencesse,
As pulsações vacilantes dos veios do ventre ganhavam voos na imaginação para longe, onde ela não as podia controlar,
E choviam pétalas que caiam como se os céus vertessem flores,
Havia mais, aquele sorriso que a desnudava, que sabia de todas as urgências que a habitavam
Os relógios pareciam o tempo fracionando-lhe a pele, a ela que buscava um álibi de fuga;
Já sentia perdida a identidade, a cada fisgada dos músculos que tremiam, desejando trai-la
E ela retirou o vestido e se admirou nua,
As suas curvas não eram fronteiras, nem o seu corpo um lugar,
Ele sempre dizia que ela era o seu país, e ela negava
Meras conversar de conquistador, pensava ela
Ele sempre chegava com aquela confiança de quem tudo sabia,
De quem vinha das andanças e das rotas não traçadas,
Com o jeito de quem amava as alturas e sabia bem como alçar voos de invadir continentes
Mas de repente ela sentiu uma ternura íntima, que lhe abria as reservas como se fosse uma oferecida flor
Como se aquele sorriso dele oferecesse amparo, como se arrebanhasse felicidades,
E ela decidiu abrir as janelas e desejou intensamente que aquele sorriso fosse somente para ela



Charles Burck