Eu vim para falar… fazendo!
 
Faz tempo que perdi o jeito de rezar.
Hoje senti vontade de rezar.
Vontade de rezar por alguém que não reze
apenas, porque sim,
porque é hábito que vem de pequeno.
Senti vontade de meditar,
sentar-me no interior de mim
e falar com alguém que me ouça.
Alguém que me olhe sem olhar os meus pecados,
(eu pecador que me confesso)
os meus defeitos, as minhas fraquezas.
Senti vontade de rezar por aqueles que rezam
sem cuidarem  das palavras que proferem.
Vontade de rezar por aqueles que rezam
para que nada mude e tudo fica na mesma.
Senti vontade de falar com alguém
que não me atire a primeira pedra.
Esperei sentado.
Esperei meditando… Não apareceu ninguém.
Então saí de mim,
fui à cidade e percorri as esquinas da indiferença.
Estava frio na cidade.
Pessoas apressadas cruzavam-se de olhos postos no pensamento
e passos ocupados no futuro.
Na primeira esquina vi um amontoado de cartões,
um amontoado de trapos e reparando melhor,
alguém encolhido tentava esconder-se do frio…
talvez da fome.
Esfriei a minha vontade de rezar.
Prossegui.
Na segunda esquina vi uma fila de gente de prato na mão.
Eram pessoas como eu, mas sem sorriso no olhar.
De uma carrinha saiu gente.
Gente de mãos ocupadas fazendo,
cuidando do olhar vazio de pessoas como eu e como eles.
Senti de novo vontade de rezar.
Rezar por aqueles que fazem, fazendo, para que tudo mude
e chegue o sorriso ao olhar vazio de pessoas como eu e como eles.
Não rezei.
Dei um abraço.
Um abraço às gentes de mãos ocupadas,
que fazem, fazendo de sorriso nas mãos,
para que aqueça o olhar frio de pessoas como eu e como eles,
e sentei-me outra vez no interior de mim.
Então pensei:
se continuasse sentado precisando de alguém,
eram estas as pessoas que me vinham valer,
porque eu precisava delas
e estas são as pessoas que fazem, fazendo de sorriso nas mãos.
Continuei.
Cheguei à terceira esquina e parei:
dois arrumadores disputavam o arrumo dum carro.
Observei.
Dou comigo a pensar:
Estes querem o futuro hoje, e lutam pelo sorriso de olhos postos no presente.
Talvez sejam as únicas pessoas reais na cidade.
 
O medo é a forma egoísta do ser humano se proteger.
Exercendo-o, ficamos prisioneiros dele! - pensei.
 
Prossegui e cheguei à quarta esquina:
Lá estava eu… sentado!
Sentado no interior de mim, meditando,
com vontade de rezar.
Uma loucura! - pensei:
Rezar para que mude alguma coisa!
Mas ali estava eu sentado à espera de alguém
que não se importasse de partilhar da minha loucura.
Alguém que achasse,
que mesmo assim valia a pena rezar.
O bruá na cidade aumentava e eu continuava sentado… meditando:
Talvez alguém note a minha incerteza e entre no interior de minha loucura
e me ensine de novo a rezar. - desejei.
 
Talvez… seja este o meu dia de rezar. – pensei.
 
Já não me lembro como é… mas vale a pena tentar!
 
 

 
 

santos silva
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