Microfonia dos Vermes

Havia um som predominantemente grotesco, constante e dilacerante em meus ouvidos. Tanto é que o mais humilde morador de esgotos, servo dos desejos dos reis cuja pirâmide social abriga, concordaria com minhas palavras.

           A cidade nascia bela (ou não) mais uma vez com suas árvores cancerígenas, derrotadas em estado de torpor, por não produzirem mais oxigênio. As aves trocaram a imigração pelo cemitério. Os ratos se tornaram autótrofos, e a peste se alastrou. A humanidade dá asas à cobra, dá asas a si mesma. Ou, na tentativa, sacrifica a própria espécie em troca de futilidades que não trazem nada senão somente desgraça e doença. Ai do tolo que levantar a boca e pensamentos para fora, este não será mais convidado para eventos que poderiam tirar a fome de várias nações; não mais participará da diversão que é extorquir quem nada tem. E quando se pensa que não pode ficar pior, a tecnologia é mais um meio de denegrir sua imagem. Estalam os dedos e de repente encontra-se mais miserável do que o próprio miserável e ainda mais miserável do que já era.

           A humanidade nem sempre esteve com pressa. “Mas, pressa do quê?”, indaga hades em seu pedaço de submundo, aliás, não há saída de qualquer forma. A pressa é uma das doenças regadas a cada dia. Correndo à velocidade da luz, se “luta” para conquistar o que somente é admitido pelo corpo, casca bruta pelo qual somos sustentados, e após alguns anos... não se leva nada. O que se leva está dentro. E não é uma pequena verdade? Ninguém testemunhou cadáveres ricos e pobres: no fim das contas, todos não passam de ossos e um pouco de fios de cabelo. Por enquanto, apenas por enquanto, que se viva... Enquanto pensa viver.

           Quando a ciência é demasiada soberana, a razão predomina, e o lado sensível ao próprio interior, murcha como uma criança por dentro de suas próprias costelas. Já, quando a “fé” é descontrolada, se encaminha para o fanatismo repugnante. É a velha questão dos extremos. Na procura de si ou de algo sem nome, ou até mesmo na busca da auto-afirmação, sempre algo é deturpado, e logo se vêem dedinhos humanos metidos em cada mísero ato.

           Ora, o que está errado com a cidade? Não, não há nada. De fato, nada. E quando não há nada... Logo se vê alguma coisa. Da minha janela no prédio mais baixo, onde a vida não ousa tocar -pois está cheio de morte- um baile à fantasia bate à minha porta. Com o rosto sem máscara, ensangüentado, apodrecido pelo som infernal desde nascença, encaro o desfile, e como sempre, refletindo sobre a origem de tal aberração sonora. Este ranger, tal barulho infernal e enjoativo, não passava dos esculhambados risos de quem em ouro se batiza, perpetuando uma sinfonia regada à misérias e choros malditos dos que nada têm. Enquanto era arrastada por entre cores sem cores, um insight congelou o tempo de vida: Uma flor híbrida, desperta e canta dentro da mente de uma criança, aquela, que tão somente sozinha, dá leves batidas no coração de cada um, um por um, até que se acabe a vida.  

Ágani L.
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