Abstracionismo Fluido

           Não muito distante de onde a minha mente descansava, dois corpos estavam deslizando em uma superfície desconhecida e fria. Não havia sincronia. A única coisa que podia ver de longe era o arroxeado de vinho tinto nos lábios secos. 

       Havia contorções leves e fortes, respirações intensas e mãos escorregadias, perfurantes como garras de um animal exótico e selvagem. Aqueles corpos... estavam se aprofundando em algum lugar no meio do próprio nada. Estavam afundando juntos. 

       Nada poderia substituir expressões tão teatrais e ao mesmo tempo verdadeiras. Parecia o cúmulo de algo real. Canções melodiosas surgiam de dentro da alma de um dos dois. Havia alguém implorando, no fundo, para que aquele momento não terminasse. 

       Os corpos flutuavam, quase angelicais, onde cada movimento parecia divino, algo derramava, mas não era amor. Era o próprio Sentir sendo aberto ao som de alguns orgasmos seguidos.

       De repente aquela cena etérea se desfez e nos encontrávamos em uma realidade mais densa, violenta, barulhenta como o próprio caos. Estávamos dentro dele, em seu coração. A cena que se seguiu parecia ainda mais eterna do que a anterior: respirações ofegantes, feridas se abrindo, urros ao invés de cantos, poesias destroçadas, vinho cor de abóbora e um punhado de sussurros sendo sugados por eles mesmos. Sangue, eu via sangue, os dois estavam sendo drenados. Drenados para longe. E assim, recomeçou.

“Ride me, ride me until We see no more stars on the black veil of night”

Ágani L.
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