Lá pras banda do Catingueiro nhá Zica conta que ainda pequena seu pai, que enviuvou a pôs sob os cuidados de uma comadre, cuja senhora era muito boa. Com ela aprendeu a cozer, bordar, assear a casa.
Certo dia chegou lá um irmão seu por nome Nelico. Tinha uns 14 anos, remoçava a voz e deu de aparecer à procura de serviço. E na primeira empreita que pegou, o dono da fazenda o mandou que fosse pegar um novilho fujão, mas que se passasse das seis, na caída do sol, voltasse noutro dia porque lá no rumo do grotão ninguém se atrevia pousar a rede. Era ficar lá e não voltar mais.
“Seo” Honório mesmo disse que, quando criança, cansou de ver companheiros de seu pai arriscar à besta e acontecer algo desastroso. Se tinha reis enfurnada dentro daquele temido matagal, deixava. Noutro dia a calada se resolvia. E como dizia o contador de causo, as horas mortas era pro desfrute do bicho pagão.
Mas, Nelico queria mostrar seu valor e conseguir seu emprego de peão-menino e não ressentiu de pisar no terreno do mistério. De repente, com cavalo em riste, esperto e de peia na mão, viu um cachorro do mato, bicho preto e bitelão, que vinha para atacar. Fez umas duas voltas do couro da piaba sobre a mão direita e deu uma caprichada na cara do tal, e assim os estalos se ouviam das grimpas ao longe, zoada contra o vento.
Enquanto o reboliço do cavalo espezinhava o mato fustigado como que querendo sair dali sem poder, Nelico se afoitava com a fera de cujos olhos ascendiam as candeias de um ataque furioso e mortal. Parecia que o bicho lhe queria dizer: não pisa nesse lugar que é meu!
Nelico cansou de bater e, sofreu um baque do cavalo que de tudo fazia para fugir do tal, pulava. Já fustigado menino-valente foi levado ao chão. Não de tempo de chamar nem o Divino Padre-eterno, só caiu levando as mãos no rosto ficando de bruços, enquanto a besta-fera urrava soltando quente um bafo de desabafo ensurdecedor.
Noutro dia, desacordado, foi trazido para a roça do Gonçalo onde estava seu patrão Honório onde ficou, por muito tempo, cuidado por ervas, rezas e benzeções. Escapou das portas da morte o menino Nelico.  Ouvia os antigos dizer que suas costas tinham se repartido em carne-viva, parecia ter levado muita chicotada cujas cicatrizes demoraram anos para fechar de todo.
Hoje, Nelico um homem-feito, ensina a seus filhos que primeiro vem o preceito e depois a valentia. 

Luciano Roriz - ALCAI
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