Quando eu era menina, por volta dos quinze anos de idade, ouvia da mamãe a seguinte oração: "O que Deus me deu hoje me dê sempre, amém." Então eu dizia para ela: " Então vamos ter que comer todos os dias a mesma coisa?" E ríamos juntas.
Quando a comida era muito boa, até que eu não me incomodava em que tal oração fosse respondida, mas quando era comum, tinha medo de ficar enjoada com o mesmo cardápio todos os dias.
Por que esse assunto surgiu tão espontâneo no meu pensamento? Saudades das orações simples de Dona Guiomar, que mesmo sem ser "religiosa", dentro dos padrões impostos pelos homens, preocupava-se em agradecer pelo alimento de cada dia.
Outro motivo que me inspirou a lembrar dessa oração foi o maná que caiu do céu ... O povo de Israel experimentou o maná por quarenta anos enquanto pregrinava pelo deserto. Tento me colocar no lugar deles. De que maneira me comportaria? Não sei responder. Mas já percebi que existe uma tendência do ser humano em se cansar do repetitivo. Vivemos em busca de novidades, acontecimentos diferentes, algo que nos tire da rotina, Na verdade, somos tremendamente insatisfeitos.
Constantemente desejamos algo que não temos; aí quando conseguimos, já estamos querendo algo maior ainda.
Se eu estivesse comendo maná por período tão longo, talvez me encontrasse entre os descontentes. Ainda que o sabor do maná fosse delicioso não aguentaria comê-lo por tanto tempo. Mesmo com o registro da insatisfação do povo, fico curiosa pelo sabor do pão de Deus. Dizem que era como pão de mel.
Chego a conclusão de que a receita do maná, nunca encontrada, deveria ser inefável, indizível! Elaborada pelo maior dos mestres-cucas: Nosso Deus.
Os judeus se deliciaram por quarenta anos e nós, e nós infelizmente não podemos experimentá-la.
Selma Nardacci
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