Da janela eu olho a cidade dormir
Com as luzes acordadas e as mentes acesas
E eu à espreita
Tentando não pensar os sentimentos
Tentando ser e não ver
Que vejo logo a última luz ficar acesa
Como lampadário do olhar que se queixa
Por toda a frágil noite, escuro impotente
Na cálida lembrança de uma tarde em seu tesouro.
Agora eu vejo
Que as estrelas morrem todos os dias no berço
Por isso eu miro um além
Mas não além-mar, pois estou ao vento
E o meu pensamento é como sentença irrefutável
Do arrendamento da nau de um navegador solitário
Perdido nas escritas
De uma saudade que se fez poesia.
É nesse galáctico quadro de sistemas
Que as estrelas me aparecem num sorriso de vida
Eu estou sonhando, sempre soube.
Seus olhos me perseguem até à raiz
Dos meus dias imperfeitos
Por isso as noites em devaneio
Eu não durmo.
É acordado, como o Édipo do tempo,
Que estendo os braços aos seus braços
E abraço seu corpo extasiado
Num agito de minerva
Um claro espasmo...
Você sorri com os dentes do primeiro bafo
E me dá um beijo
No viaduto do desejo nu, escuro e imperfeito
Porque percevejo o seu inevitável leito
Adormecido de amarelas flores que me cobrem o peito
Eu deito, e aproveito
Da benevolente espera da amada ausente
Que agora dorme, e beija
O meu beijo ardente
Sem medo ou espelho.
É só o vento, de um venerado viajor do tempo
Amado estrelado, perdido no sistema
A tocar o seu jeito de dizer eu amo
E se ama, como amo a noite, as flores e o leito dual
Eu amo e vejo que ama e vê que eu amo e vejo...
Do céu o léu retorna ao presente ausente
A última luz se apaga onde vejo
E os meus olhos cerrados não me contam
No dia derradeiro,
Onde meu corpo adormeceu primeiro
Se foi ao pé da janela rente
Ao sopé da hora pálida e quente
Ou se no ninho da amada de abraço carente...