Eu já fui
Eu já passei por aqui
Como o último fusca
Que desfilou nesta jornada.
Minha escuderia trocou os pneus,
Apertou parafusos,
Verificou o óleo, o filtro de ar,
Mudou a cor.
Tive a substância
De mangas
Que nasceram para nunca amadurecerem,
Numa árvore mágica
Plantada no Gabinete Dois
Da Corregedoria.
Eu vi pessoas boas passarem por mim
Em alta velocidade.
Vi um barbeiro,
Barbeiro de verdade...
O único que fazia meu cabelo.
Morreu de um infarto fulminante.
O Saulo...
O nome dele era Saulo.
Seu único exercício físico
Era cortar meu cabelo.
Teve o fulminante desgaste do miocárdio.
Não era para menos,
Só corto meu cabelo
De seis em seis meses.
Em alguma coisa me transformo agora,
Não posso precisar em quê.
Gosto do cheiro de manga verde
Que respiro em meus braços:
Galhos velhos,
Retorcidos,
Calcinados por grandes amizades.
Fui morto em grandes corações:
Homem grande,
Negro enviesado,
Punk ultrapassado,
Garota loira de cachinhos,
Cientista maluca,
Estudante de filosofia,
Advogados geniais,
Político em ascensão,
Internauta de celular,
Globeleza de fundo de quintal,
Estadistas da manhã,
Garota do Bore (nem sei como escreve isso),
Aprendiz de astronauta,
Nem sei dizer...
Fui amado em grandes corações.
E, sinceramente, não vejo importância nisto.
Na estrada,
Passei por um Punk ultrapassado,
Lento, respiração pausada,
Quis dar carona e fui ferroado.
A natureza do bicho
É essa.
Carrego as feridas abertas
Para que todos vejam.
As paletas já não limpam mais a sujeira da vida.
Vejo pouco...
O cabelo cai na testa,
Se não fossem os cachinhos que a vida trazem
Quão pouco romântico seria descer a ribanceira.
Mas a explosão do motor
Deixou meu barulho aqui...
Passei como um trovão,
Marquei corações,
Destruí construções que pareciam perfeitas,
Remontei quebra cabeças,
Doei meu sangue,
Fiz brilhar olhos coloridos.
Amém.
Amém.
Amém.

Sidiney Breguêdo
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