Caro amigo, aquilo que vês e que ainda de leve refulge, não seria decerto poesia, mas estertores agonizantes de um vício que, embora moribundo, recusa-se a se entregar ao derradeiro descanso e hora ou outra, convulsiona.
Uma chuva fina encharca a pele, congelando até os ossos.
O céu acinzentado, não deixa transparecer o brilho do sol. Nuvens negras e ameaçadoras recobrem o firmamento, transformando-o numa abóbada cinzenta e compacta.
Do lado de cá, vejo o barqueiro se aproximando lenta e inexoravelmente. A cada golpe da pá do seu remo, as negras águas se agitam e um lamento é ouvido, como se o próprio vento gemesse ao ritmo do vadear preguiçoso do eterno condenado.
Ao longe, me sorri.
Seus lábios se contorcem num maquiavélico esgar que deturpa seu rosto, como o rosto de um moribundo convulsionando nos últimos espasmos.
E eu nem tenho uma moeda para entregar...
Talvez, se como Aquiles, eu arriscasse um mergulho, eu me tornasse invulnerável. Mas até aquele, o destino alcançou...
Ainda que eu falasse a lingua dos homens e dos anjos,
se eu não tivesse amor,
eu não seria nada...
(Corintos 13)
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