Patativa do Assaré

Patativa do Assaré

 Bom gente:
Bem sei que a proposta do Site  de Poesias não é essa.  Mas sabendo que o  genuíno talento brasileiro é desconhecido da maioria.  Poeta de raiz, nascido na Cidade Cearense do Crato. Não frequentou escolas; não tem a poesia estudada, mas tem um talento natural, brotado no chão ressecado do sertão. Esse caboclo criado no cabo da enxada foi uma das vozes corajosas que ousou se erguer contra a opressão militar, durante a ditadura.  Pra quem se interessar pelo tema, procure poesias como “A formiga e o Boi” “reforma agrária é assim”, “A Terra é  naturá", Brasi de baixo e Brasi de cima”...
Abaixo um pequeno trecho de “Cante lá que eu canto cá”, como forma de apresentação do poeta e também um texto de importante valor social e de enfrentamento à ditadura, publicado na época das greves do ABC paulista, em plena repressão.
Quem se interessar, é só procurar no google pois a obra desse grande brasileiro é extensa e magnífica.
Bom proveito:
CANTE LÁ QUE EU CANTO CÁ
(Grafia original)

Poeta, cantô da rua,
Que na cidade nasceu,
Cante a cidade que é sua,
Que eu canto o sertão que é meu.

Se aí você teve estudo,
Aqui, Deus me ensinou tudo,
Sem de livro precisa
Por favô, não mêxa aqui,
Que eu também não mexo aí,
Cante lá, que eu canto cá.

Você teve inducação,
Aprendeu munta ciença,
Mas das coisa do sertão
Não tem boa esperiença.

Nunca fez uma boa paioça,
Nunca trabaiou na roça,
Não pode conhece bem,
Pois nesta penosa vida,
Só quem provou da comida
Sabe o gosto que ela tem.
Pra gente cantá o sertão,
Precisa nele mora,
Te armoço de fejão
E a janta de mucunzá, 

Vive pobre, sem dinhêro,
Trabaiando o dia intero,
Socado dentro do mato,
De apragata currelepe, 
Pisando inriba do estrepe,
Brocando a unha de gato.

Você é munto ditoso,
Sabe lê, sabe escreve,
Pois vá cantando o seu gozo, 
Que eu canto meu padece.

Inquanto a felicidade
Você canta na cidade,
Cá no sertão eu infrento
A fome, a dô e a misera. 
Pra sê poeta divera,
Precisa tê sofrimento.

Sua rima, inda que seja
Bordada de prata e de oro, 
Para a gente sertaneja
É perdido este tesôro.

Com o seu verso bem feito,
Não canta o sertão dereito
Porque você não conhece
Nossa vida aperreada.
E a dô só é bem cantada,
Cantada por quem padece.

Só canta o sertão dereito,
Com tudo quanto ele tem,
Quem sempre correu estreito,
Sem proteção de ninguém,

Coberto de precisão
Suportando a privação
Com paciença de Jó,
Puxando o cabo da inxada,
Na quebrada e na chapada, 
Moiadinho de suó.
....


O Operário e o Agregado
                                                                   Patativa do Assaré


(Não encontrei com a grafia originá)
 
Sou matuto do Nordeste,
Criado dentro da mata.
Caboclo cabra da peste,
Poeta cabeça-chata.
Por ser poeta roceiro,
Eu sempre fui companheiro
Da dor, da mágoa e do pranto.
Por isso, por minha vez,
Vou falar para vocês 
O que é que eu sou e o que eu canto:

Sou poeta agricultor,
Do interior do Ceará.
A desdita, o pranto e a dor,
Canto aqui e canto acolá.
Sou amigo do operário
Que ganha um pobre salário,
E do mendigo indigente.
E canto com emoção
O meu querido sertão 
E a vida de sua gente.

Procurando resolver
Um espinhoso problema,
Eu procuro defender,
No meu modesto poema,
Que a santa verdade encerra,
Os camponeses sem terra
Que os céus desse Brasil cobre,
E as famílias da cidade
Que sofrem necessidade,
Morando no bairro pobre.

Vão no mesmo itinerário,
Sofrendo a mesma opressão.
Na cidade, o operário;
E o camponês, no sertão.
Embora, um do outro ausente,
O que um sente, o outro sente.
Se queimam na mesma brasa
E vivem na mesma guerra:
Os agregados, sem terra;
E os operários, sem casa.

Operário da cidade,
Se você sofre bastante,
A mesma necessidade
Sofre o seu irmão distante.
Sem direito de carteira,
Levando vida grosseira,
Seu fracasso continua.
É grande martírio aquele
A sua sorte é a dele
E a sorte dele é a sua!

Disso, eu já vivo ciente:
Se, na cidade, o operário
Trabalha constantemente
Por um pequeno salário,
Lá no campo, o agregado
Se encontra subordinado
Sob o jugo do patrão,
Padecendo vida amarga,
Tal qual o burro de carga,
Debaixo da sujeição.

Camponeses, meus irmãos,
E operários da cidade,
É preciso dar as mãos
E gritar por liberdade.
Em favor de cada um,
Formar um corpo comum,
Operário e camponês!
Pois, só com essa aliança,
A estrela da bonança
Brilhará para vocês!

Uns com os outros se entendendo,
Esclarecendo as razões.
E todos, juntos, fazendo
Suas reivindicações!
Por uma Democracia
De direito e garantia
Lutando, de mais a mais!
São estes os belos planos,
Pois, nos Direitos Humanos,
Nós todos somos iguais!

BRUNO
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