Eu não posso esquecer o meu passado.

Uma história verdadeira!

Fui criado numa casa bem singela,
O jardim que eu tinha era o roçado,
Existia uma janela de um lado,
E na frente, uma porta e uma janela,
Do outro lado, um curral e uma cancela,
E no meio do curral tinha um mourão,
Onde se prendia um bicho valentão,
Se por acaso ficasse enfezado,
Eu não posso esquecer o meu passado,
Nem tão pouco os costumes do Sertão.

O meu copo era a banda de um coco
A geladeira prá água era a quartinha,
E um pote bem grande a gente tinha,
Prá na seca, não passar por sufoco
O pote eu enchia pouco a pouco
Carregando a água num galão,
Numa trempe de pedra sobre o chão,
O pote era bem refrigerado,
Eu não posso esquecer o meu passado,
Nem tão pouco os costumes do Sertão.

O meu piso era de chão batido,
E o teto, das telhas da caieira,
No inverno com a zoada da goteira,
Eu não dormia, mas achava divertido;
Eu agradeço a Deus não ter nascido
Num palácio, ou até numa mansão,
Na simplicidade meu pai deu-me a lição,
De ser honesto, trabalhador e honrado,
Eu não posso esquecer o meu passado,
Nem tão pouco os costumes do Sertão

Não podíamos ter fugão à gás
Era à lenha nosso humilde fogão,
Depois evoluímos pra o carvão,
Pois o carvão, a gente mesmo faz;
Era pobre, mas tinha muita paz,
Em nossa terra não tinha confusão,
Cada indivíduo era um cidadão,
Pelo outro querido e estimado,
Eu não posso esquecer o meu passado,
Nem tão pouco os costumes do Sertão.

Eu ouvia o canto do Inhambu,
E o grito singular do bem-te-vi
Arremedei muito a Juruti,
Tomei banhos no Rio Pajeú;
Pra o gado assei mandacaru,
Prá o lazer eu rodava meu pião,
Colocava sobre a palma da mão,
Ele dormia e ficava areolado,
Eu não posso esquecer o meu passado,
Nem tão pouco os costumes do Sertão

Vi a cobra que engolia sapo,
E o cancão, que acuava a cobra,
Vi o imbua fazendo uma manobra,
E o cururu, de mosquito enchendo o papo;
Em nossa terra não tinha esparadrapo
O substituto era a folha de mamão;
Prá dor de dente era o leite de pinhão,
Num capucho de algodão bem ensopado
Eu não posso esquecer o meu passado
Nem tão pouco os costumes do Sertão.

Prá arrancar o dente era um barbante,
Eu botava um espelho bem na frente,
Eu amarrava o barbante ao pé do dente,
E com força puxava num instante;
E se a dor fosse muito extravagante,
Camomila, tirava a dor e a tensão,
E ainda diminuía a inflamação,
Em poucos dias eu estava curado,
Eu não posso esquecer o meu passado,
Nem tão pouco os costumes do Sertão.

No Sertão a raspa do juazeiro,
Era o mais excelente dentrifício
Não precisava dinheiro ou sacrifício
Para ter um sorriso bem faceiro,
Juazeiro, tinha no Sertão inteiro,
Cuja casca era raspada com um facão,
E com água fazia uma fusão,
Que o dente ficava bem lavado,
Eu não posso esquecer o meu passado,
Nem tão pouco os costumes do Sertão.

Pra dormir era o chá da laranjeira,
Pra despertar era um café bem forte,
Na bananeira a mocinha tirava sorte,
Não querendo permanecer solteira;
Em junho acendia-se uma fogueira,
Dizendo-se em homenagem a São João,
Festeja-se com roqueira e mosquetão,
A iguaria, era canjica e milho assado,
Eu não posso esquecer o meu passado,
Nem tão pouco os costumes do sertão.

O meu carro era um cavalo bem possante
Que meu pai ensinava-lhe a passada,
Quando eu queria fazer qualquer jornada,
Eu colocava a cela num instante;
E saia imponente e importante,
Conquistando as jovens da região;
Elas tinham cinturinham de pilão,
Seios fartos e bumbum bem empinado,
E não posso esquecer o meu passado,
Nem tão pouco os costumes do Sertão

Fui assim tão feliz na minha infância
E também fui na minha adolescência,
Quer saber quando eu perdi a inocência?
Quando resolvi morar noutra instância;
Dá minha terra era grande a distância,
Chega dava uma dor no coração,
Fui trabalhar sob as ordens de um patrão,
Que apontava o dedo pro meu lado,
Mesmo assim não esqueci o meu passado,
Nem tão pouco os costumes do Sertão.

Estudei, história e matemática,
Ciências, Geografia e inglês,
Procurei aprender o português,
E aprendi boas regras da gramática
Na contabilidade firmei a minha prática,
E comecei fazer dela profissão,
Comprei carro e construí mansão,
Sou por muitos ainda admirado,
Mesmo assim não esqueço o meu passado,
Nem tão pouco os costumes do Sertão.

Resolvi estudar teologia,
Bacharel e até mesmo o mestrado,
Sobre Deus eu fiquei bem informado,
Essa matéria, eu não conhecia,
Logo após para minha alegria
Jesus veio ao meu coração,
Eu pequei, mas através do seu perdão,
Eu me sinto agora perdoado,
Sem precisar eu esquecer o meu passado,
Nem tão pouco os costumes do Sertão.

Sou Cristão, e Jesus é meu escudo,
A bíblia a minha base da verdade,
Há muito tempo que moro na cidade,
Onde eu completei o meu estudo,
Só existe uma coisa que eu não mudo,
É a honestidade, a justiça e a razão,
Isto aí, guardo no meu coração,
Na eternidade será o meu traslado,
Só a morte sepulta o meu passado,
E os costumes que aprendi no Sertão.

Direitos reservados a: José Rodrigues de Siqueira

Pr. José Rodrigues
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