AVENTURA NOTURNA ( conto ) parte II -FINAL

AVENTURA NOTURNA   ( conto )  parte II -FINAL


Quando fazia menção para afastar a cadeira, com o intuito de levantar-se, alguém o interpelou delicadamente...

- Posso me sentar, você está só ?

Era uma mulher, nem feia nem bela, igual à maioria, nada que a salientasse, na verdade primava pela sua privacidade, pois a fulana poderia alugar seus ouvidos para assuntos alheios, desabafos e coisas que não o interessavam, mas era também uma alternativa, teria o lugar reservado, além do que, o cara do balcão veria que ele não é um gay em busca de aventuras... somando à contingência de ter que se dirigir ao banheiro com imprescindível necessidade, concordou.

- Sim, estou só, pode se sentar e ficar à vontade, se me permite, vou ao toalete, retorno logo ( espero !)...

- (com voz melíflua) posso pedir uma bebida para a mesa enquanto você se ausenta ?

(levanta a mão para o garçom, autorizando em gestos para servi-la)

- Pode sim, com licença...

Cambaleando no sinuoso trajeto entre as mesas, dava-se conta de sua embriaguês inabitual, constrangendo ocupantes de mesas vizinhas, com um pedido melindrado e envergonhado de desculpas pelos encontrões no caminho, a parecer interminável..

Pensou em perguntar aonde ficava o banheiro masculino, quando presenciou extensa fila, que julgava ser do caixa, mas era exatamente o que temia...

- Ô gordo ! Olha a fila !

( além de ser chamado de gordo, o que detestava, a espera lembrava filas de atendimento na saúde pública, calamitosa !)

Parecia que todos resolveram se esvaziar ao mesmo tempo, porejava a testa em suores frios, fazendo-o passar um guardanapo nas têmporas para conter a sudorese incômoda.
Tentava fugir dali, em pensamentos, esquecendo-se por instantes da premência de desaguar...a mente tudo controla, raciocinava apaziguando o desconforto.

- Ô gordo , a fila anda...

( desta vez não se sentiu ofendido, era o aviso de que chegava, finalmente, a sua vez)

Aquele ambiente simpático, com música ao vivo, iluminação planejada, era o contraste com a visão do banheiro masculino: espaço coletivo para a urina e biombos com portas desajeitadas para as outras necessidades. Papel higiênico servindo de toalha, espalhando fiapos pelo chão, já umedecido pelos afoitos nos respingos de suas armas.
Deixara naquele local nauseante boa parte do que consumira, saía, por fim, aliviado.

Caminho de volta, a procura da mesa que partilhava com uma providencial desconhecida. Esperava que ela não fosse uma chata, a usá-lo como ombro amigo para suas desditas, tudo menos ser um psicólogo na madrugada...

Ao avistá-la, assustou-se. A mesa que tinha antes um copo de chope, apresentava-se sortida com cálices de diversas cores. Como ela poderia ter consumido tanta bebida em tão pouco tempo ? ( nem tão pouco assim, olhava o relógio, ficara retido entre ida, espera , uso do sanitário, mais de uma hora e meia) Ainda assim era muita coisa para uma pessoa só.

- Oi, demorei ?

- Tudo bem, imagino a fila do banheiro... ( falou sem muito interesse)

- Imensa fila ! ( olhando os copos, cinco taças) – Você aprecia muito vinhos ?

- Pois é, vinhos, licores e whiskes .

( espanta-se ao vê-la levantar a mão para o garçom)

- Ainda vai beber mais ?!

- Ora, por que não, a noite é convidativa, tenho sede..

- Eu só tomo chope... mas acho que exagerei, mal consegui chegar até o banheiro...

- (rindo discretamente) – Eu vi a dificuldade... Não quer experimentar um pouco do vinho da casa, é divino !

- (fazendo que não com a cabeça) – Peço mais um chope, vou bebendo aos poucos...

- Olha, assim que o garçom chegar será a minha vez de ir ao toalete, ok ?

- Claro...

Depois de bebericar mais uma taça, levantou-se com desenvoltura, nem parecia uma dama que tinha bebido tanto. Envergonhou-se de sua fraqueza com os chopes no hilário trajeto que fizera até o banheiro.

Olhou o relógio e surpreendera-se com o adiantado das horas, quinze para as quatro da madrugada. Esperaria ela chegar, acertariam a conta e iria para casa, estava satisfeito com sua primeira aventura individual.

Pediu mais um chope, mas já não demonstrava tanto sabor, perdera o paladar, bebia para entreter-se, deixar passar o tempo.

E os ponteiros do relógio já assinalavam quatro e meia, e nada da mulher retornar à mesa, estranhou a demora. Verificou que ela levara seus pertences, uma blusa leve e a sua bolsa.
Achou por bem que fechassem a conta, acertaria seus chopes, ela que pagasse seus drinques quando chegasse...não havia mais o risco de perder o lugar, pois o local já não estava repleto como antes...

( Ao garçom) – Por favor, feche a conta, veja quanto chopes eu tomei...

- Chopes e vários drinques, senhor, estou certo ? Não é esta a mesa 14 ? (falou olhando um marcador existente)

- Sim, os chopes são meus, os drinques daquela mulher que sentou-se aqui...

- Mas ela, ao sair, disse-me que o senhor acertaria tudo....

- Sair ?! Ela não foi ao toalete feminino ?

- Foi este o recado que deixou na recepção, aliás, tenho um bilhete para o senhor...

(lendo desconsolado para si mesmo):

“obrigado por tudo, você foi especial. Não me chateou com suas prováveis amarguras, deixou-me só para pensar nos meus problemas e também me proporcionou um lugar discreto, longe de intrusos que não podem ver uma mulher sozinha, foi um cavalheiro.
Obrigado pela gentileza das bebidas,

Beijos !!!


(TEXTO SELECIONADO PARA A ANTOLOGIA DE CONTOS DA MADRUGADA, EDITORA CÂMARA BRASILEIRA DE JOVENS ESCRITORES, CBJE, RIO DE JANEIRO/RJ, MAIO DE 2010)

 

LEIAM A PRIMEIRA PARTE...