AVENTURA NOTURNA - PARTE I - ( conto )

AVENTURA NOTURNA  - PARTE I -  ( conto )

Raramente freqüentava qualquer bar, ainda mais sozinho. Mas a noite estava convidativa, fustigando a solidão para longe, convidando os sós para a festa. Suave noite de verão, bares abarrotados de notívagos a se refrescarem nos seus risos soltos animados pelos teores alcoólicos de sucessivos copos. 
A mesa não era a melhor colocada, mas dizem que quem chega atrasado não pode pegar a janelinha no trem... Sentou-se e esperou pelo garçom trazendo um chope de gola larga, sorveu o líquido com a sede de um perdido no deserto, seria o primeiro de uma série. Olhares vasculham o ambiente, perscrutando os espaços, levando a mente a devaneios distantes, além da fixa visão. Como se reconhecendo a área, palmilhando o terreno em que se situava, sentindo o clima. Além dos alaridos dos convivas, entusiasmados em seus grupos, nada a identificar que soasse estranho, tudo perfeitamente reconhecível na alacridade daqueles momentos. Não era lugar requintado, apenas para encontros em turmas, para conversas descontraídas e namoros. O som, pelo menos, não irritava os tímpanos, soava brando, na voz de uma jovem com seu violão em acordes melodiosos. Tudo tranqüilo, ensejando que na companhia de uns goles encontraria um regalo em seu íntimo, imperturbável em seus solilóquios. Ali ficaria em seu mundinho respirando em haustos o sabor da tranqüilidade, não fosse a fisiológica necessidade de urinar, pois tudo que entra tem que sair, e, na contabilidade, tinha mais entradas que saídas, estava cheio. 
Ocorre que a demanda por uma mesinha ficava acirrada, qualquer descuido poderia perder o trono, como em baile da vassoura que levam a sua dama e tomam a sua vez, deixando-o na tarefa de buscar nova companhia, no caso de um lugar privativo. E olhava para os lados como quem se vê cercado de ladrões, prontos a darem-lhe o golpe e o deixarem em pé, no desconforto. Mas bexiga contrafeita, cheia como balão de gás, incomodava outro tanto, reclamando alívio. Pensou em deixar algum objeto sobre a mesa, mas qual ? Era calor não levara blusa, nem guarda-chuva pois não tinha chuvas, a carteira – pensamento alucinado, nem pensar, por razões óbvias, seria um donativo. E agora, Mané ? as pernas já se encontravam como a querer reter o perigo de iminente inundação nas calças, que fazer ? Pensou em recorrer ao garçom, já suando nas têmporas, mas o via atazanado com a azáfama de tantos pedidos, equilibrista de bandeja repleta de copos e pratos, e desistia. Poderia, num extremo de generosidade, convidar alguém sozinho para partilhar a outra cadeira, na verdade a única sobrevivente, pois, além da sua, foram delicadamente requisitando as demais, mas o preço de perder a privacidade, exatamente o que buscava, o impedia do convite. Não se tratava de caridade, nem pensar, mas sim de alguém que garantisse a sua própria vaga ameaçada, pensou consigo mesmo: vão se os anéis ficam os dedos... 
E assim, resoluto, fez sinal a um homem que bebia apoiado no balcão, sinal convidativo, com a cabeça, querendo ser sutil. O homem olhava para ele e não entendia a sua generosa intenção, com a insistência respondeu à distância, também em acenos, o que parecia ser não gostar de homens, era hétero, mostrava a aliança no dedo... que pavor, quisera fazer uma gentileza e foi tomado à conta de um perdido na noite à procura de um parceiro ? Corou-se de vergonha, pensou até em tirar satisfação, o que poderia ser perigoso, deixando vaga a cadeira. Que se danasse aquele ingrato ! Ainda se fosse um garboso garoto, mas um homem de meia idade... peraí, “garboso garoto”, se estranhava, seria o efeito da oitava rodada de bebidas ? Nem pensar ! Jamais poderia passar-lhe pela cabeça tal deslise, ia se benzendo para afastar inoportunos pensamentos, mas disfarçou. Benzer-se em mesa de bar ? Nem macumbeiro ! Aproveitou a mão já alta sobre a testa para enxugar o suor, porejando, exigindo providências imediatas, recado das partes baixas de seu corpo, tomado de arrepios intermitentes. 
Em último caso, iria ao banheiro e perderia a vaga, o que não dava mais é postergar a medida. Se perdesse o posto, discretamente pagaria a conta e tomaria outro rumo, afinal eram ainda duas da madruga e a noite é uma criança, tomaria outros rumos... Até se admirava por tanta determinação, visto que costumeiramente não saía só, era uma novidade, totalmente ousada, que parecia tê-lo conquistado por adrenalina jamais experimentada. 

(CONTINUA NA ii e ÚLTIMA PARTE)
 

APESAR DE LONGO, RESOLVI PUBLICÁ-LO AQUI, AFINAL RIR TAMBÉM É PRECISO... NÃO DEIXE DE ACOMPANHAR O FINAL.

* TEXTO SELECIONADO PARA FIGURAR NA ANTOLOGIA CONTOS DA MADRUGADA, EDITORA CÂMARA BRASILEIRA DE JOVENS ESCRITORES, CBJE, RIO DE JANEIRO/RJ, EM 2010.