Não está mais aqui quem falou...

  
Não está mais aqui quem falou,
Quem sorriu, quem dançou...
Não está mais aqui quem torcia por mim,
Quem torcia o nariz e chegava feliz
Me abraçando e me censurando
“Tô de mal... Não foi mais na casa da vó...”
Se eu seguisse essa lógica viveria de mal também,
Porque nem na minha casa e nem
Sequer na sua... Você não vem!
Mudou de casa, onde eu não posso te visitar
Cartas ou telefonemas já não podem te alcançar
 
Alcanço então suas coisas
Seu perfume sem calor e seu colar...
Vou colar sua vida nas minhas
Leituras de DNA, nas páginas de lembrar...
Já chorei na sua listinha
Por sobre o que ficou por comprar
E chorei só de ver na estante
Seu leite condensado
Do pudim que ficou por fazer
(Mas não adianta chorar pelo leite condensado...)
Chorei por fim, e bastante,
Na toalhinha que eu te dei
Foi meu último presente
Que você tinha gostado tanto!
E que nem deu tempo de usar...
Mas eu usei por você, vovó,
Só que... Pra enxugar os olhos
 
Tão doce quanto amargador
Foi comer sua fruta-do-conde
Que o vô colheu pra te dar
Tão cedo quanto entardecida
Foi sua partida poente
Partida odiada... Por ser a sua
Mas, em parte, boa, por ser adiada
Por uns poucos dias
Pra então depois
Tão plena quanto vazia
Você me deixar, vovó
Você me deixar...
Sob a lua de quando eu nasci
Lua que te fez repetir
A história que a gente tem
Lua que me fará também
Repartir a terna memória
Sem a qual eu não viverei...