Tudo que os nossos olhos não enxergam

Se olho pra frente, eu vejo o horizonte.
Fixado no horizonte, o meu olhar descobre o infinito.
O infinito é como uma falsa promessa,
a gente acredita nele, se perde nele,
mas nunca chega a lugar nenhum.

LUGAR NENHUM, esse é o destino do nosso pensamento
quando as nossas atitudes são abastecidas
por um combustível chamado incredulidade.
A incredulidade nos aproxima do senso comum,
o senso comum compromete o reflexo das pessoas,
e uma pessoa com o reflexo comprometido
enxerga menos que o normal,
“enxerga pelo que ouviu dizer”.
Fulano me disse, que sicrano falou, que beltrano ficou sabendo,
que, no final, quem fica sem saber sou eu.
Dessa forma, a única coisa que eu consigo perceber é o óbvio...

Se eu vejo uma mãe, com um filho no colo, pedindo esmola,
logo começo a fabricar mil perguntas:
Por que é que essa mulher não vai procurar um emprego?
O que será que ela vai fazer com esse dinheiro?
E aquela criança de colo, será que é filho dela mesmo?
Entretanto, em nenhum momento, me questiono se há ou não grandeza naquele gesto.
Eu, ficar procurando gesto de grandeza numa mulher que pede esmola?
Nem pensar...

Acontece que é justamente aí que está TUDO QUE OS NOSSOS OLHOS NÃO ENXERGAM.
Eles sabem demais (até porque “ouviram dizer”),
mas sabem de menos, porque não enxergam além da parede.
Não percebem que além da parede pode existir, por exemplo, excesso de coragem.
Excesso de coragem de uma mulher que pede esmola,
que bate num ombro desconhecido,
que faz da vergonha um detalhe mínimo diante da necessidade que sufoca.

O louvável da mulher que pede esmola
é que ela se propõe a fazer o que eu e você não somos capazes de fazer.
Talvez, do alto do nosso orgulho, seja melhor passar fome do que pedir um prato de comida.
É assim na maioria das vezes, os nossos olhos não se preocupam em ler a frase completa.
Eles lêem as duas ou três palavras iniciais e já se dizem entendidos.
Entendidos, distribuidores de sentença, críticos de superfície, verdadeiros juízes da vida.

Mas, como pode alguém dar um veredicto apoiado na fragilidade de um olhar sem pensamento?
São muitos os olhares sem pensamento, falta profundidade ao verbo enxergar.
É uma mulher que pede esmola,
é uma cartolina branca com um ponto preto no centro,
é o infinito que nunca acaba, é a sensibilidade que se esconde,
tudo isso pra revelar que boca e olhos quase sempre perdem a sintonia.

Sobra, então, para o nosso ponto de vista, que se expressa involuntariamente.
Involuntário ou não, um olhar (antes de qualquer coisa) precisa comportar a compaixão.
Compaixão de homens e mulheres que somos, e não a dureza da razão desmedida.
Razão que nos leva a imaginar que por trás de cada pessoa existe um vigarista,
quando, na pior das hipóteses,
melhor seria pensar que por trás de cada vigarista existe uma pessoa de bem.

Enfim, TUDO QUE OS NOSSOS OLHOS NÃO ENXERGAM
é que a descrença, seja em Deus ou num irmão de caminhada, nos faz envelhecer.
Não envelhecer na idade, mas envelhecer por falta de esperança em dias melhores...

São Gonçalo - RJ.